quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O BACHAREL E A AGRONOMIA

Jorge Carvalho do Nascimento[1]


Não obstante alguns esforços que têm sido feitos para produzir uma História da Agronomia e dos campos de estudo acerca da história da ciência e da tecnologia em Sergipe, ainda é necessário reunir e organizar muitas fontes importantes para uma pesquisa histórica mais consistente e o estabelecimento de linhas de pesquisa que se debrucem sobre as temáticas próprias a este campo.
A tendência modernizadora no trato com a informação, apesar de permitir a dinamização do acesso aos dados, tem imposto uma rotina de descarte documental descontrolado que leva, na maioria dos casos, ao apagamento irreversível da memória de grupos e instituições.
É necessário cobrar procedimentos metodológicos adequados. A pesquisa deve fugir da visão salvífica presente no discurso dos memorialistas. O material existente nos arquivos das instituições dedicadas à pesquisa científica e nos acervos dos arquivos históricos é múltiplo, originado de distintas fontes e inclui utensílios e equipamentos utilizados nos laboratórios científicos e tecnológicos de Sergipe e também documentação impressa, áudio-visual e imagética com significativo valor para a memória e a história da ciência e da tecnologia no Estado. É necessário explorar essa massa documental com pesquisas que tenham como fulcro de análise os processos de produção e transmissão do conhecimento científico e tecnológico.
Este artigo opera com a hipótese segundo a qual durante o século XIX foi constituído um campo intelectual em Sergipe, do qual participou um número significativo de cientistas, não obstante boa parte dos estudos sobre esse tema atribuir a formação de tal campo ao período republicano. Segundo Eugênia Andrade Vieira da Silva, estudar a intelectualidade dos anos oitocentos permite entender a falácia de alguns estudos para os quais a elite daquele período seria iletrada e detentora apenas do “poder econômico e político, sem nenhuma vinculação com o campo intelectual, o que de imediato parece algo paradoxal, pois, a suposição é a de que ninguém chega a ocupar posição de mando na sociedade sem que se utilize da capacidade mental” (A formação intelectual da elite sergipana, p. 5).
O pressuposto é o de que esta elite intelectual do século XIX, pelas suas características se sobrepunha a outros grupos, uma vez que de acordo com Carlos Almeida Barata e Antonio Henrique Cunha Bueno, o conceito de elite “designa um pequeno grupo que, num conjunto mais vasto – religioso, cultural, político, militar, econômico, social ou outro – é tido como superior pelas suas funções de mando, de direção, de orientação ou de simples representação” (Dicionário das famílias brasileiras). A elite intelectual sergipana é, assim, concebida, de acordo com Eugênia Andrade Vieira da Silva, “como sendo composta por vários grupos constituidores, oriundos de diferentes elites profissionais, que contribuíram para a formação de uma totalidade” (A formação intelectual da elite sergipana, p. 6).
Sob as condições de constituição do campo intelectual, as possibilidades da pesquisa agronômica no Brasil estão postas desde 1808, quando D. João VI criou o Instituto Botânico, no Rio de Janeiro. Na Província de Sergipe, a Agronomia conheceu os melhores estímulos ao seu desenvolvimento em face dos negócios da produção açucareira. O estudo da história desse campo do conhecimento permite, dentre outras coisas, perceber alguns dos modos usados pelos engenheiros agrônomos para a gestão científica do seu campo.
O primeiro livro sobre agronomia produzido em Sergipe foi escrito por um bacharel em Direito e proprietário do engenho Castelo dedicado ao estudo dos problemas agronômicos, principalmente o plantio da cana e a produção do açúcar. O seu autor, João José de Bittencourt Calasans, nasceu em junho de 1811, no engenho Castelo, à época município de Santa Luzia, região que atualmente corresponde ao território do município de Indiaroba. Calasans morreu em agosto de 1870, um ano após haver publicado O agricultor sergipano da cana de açúcar. Em fevereiro de 1975, quando das celebrações do IV centenário do início da colonização em Sergipe, a comissão encarregada dos festejos tentou reedita-lo sob os auspícios da então Superintendência da Agricultura e Produção – Sudap, sem que, no entanto, obtivesse êxito.
Bittencourt Calasans doutorou-se em Direito pela Universidade de Bruxelas, na Bélgica, em 1835. Após retornar a Sergipe, assumiu o comando do engenho da sua família e começou a estudar Agronomia por conta própria, lendo os principais autores então existentes, com o objetivo de modernizar a sua propriedade.



[1] Doutor em História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. Professor do Departamento de História e do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Sergipe – UFS. Coordena o Grupo de Pesquisa em História da Educação da UFS.

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