sexta-feira, 2 de outubro de 2009

GRUPO ESCOLAR E ESCOLA SERIADA III

De acordo com a interpretação de Alexis de Tocqueville, nos Estados Unidos da América se consolidou o entendimento segundo o qual o homem deveria contar consigo mesmo para superar as dificuldades da vida.


Isso começa a se perceber desde a escola, onde as crianças se submetem, até mesmo nos jogos, a regras que elas mesmas definem. O mesmo espírito se encontra em todos os atos da vida social. (...) Se se trata de um prazer, logo se associarão para dar maior esplendor e regularidade à festa. (...) Nos Estados Unidos, as pessoas se associam com fins de segurança pública, comércio e indústria, moral e religião. Não há nada que a vontade humana desespere alcançar pela livre ação da força coletiva dos indivíduos[1].


Uma das garantias jurídicas mais importantes da vida norte-americana foi o direito de associação que se realizou por meio da adesão pública de alguns indivíduos a uma doutrina e ao compromisso de fazê-la prevalecer. Esta foi uma herança inglesa que existiu desde o século XVII na América, fazendo parte também dos seus hábitos e costumes. Uma associação comprometia os seus participantes com uma causa. Estes comungavam uma espécie de fraternidade, do mesmo modo que os crentes comungavam princípios religiosos, aprendiam a se conhecer e reconhecer uns aos outros, impelindo-se a um objetivo comum[2]. As associações buscaram dirigir as opiniões. Os homens conjugaram seus esforços com os dos seus semelhantes e passaram a agir em comum. Tal direito foi expressão da liberdade individual. Vários homens caminharam ao mesmo tempo para um mesmo objetivo, mas ninguém foi obrigado a marchar junto, a optar pelo mesmo caminho. A associação voluntária não sacrificou a vontade e a razão de nenhum indivíduo de uma sociedade. Nelas, o sujeito somente ingressava voluntariamente e quando demonstrava ser moralmente qualificado, encontrando a recepção voluntária da sua participação, em virtude da aprovação coletiva. Foi isto que fez o sucesso e caracterizou as associações voluntárias. A partir dos hábitos dos primeiros ingleses que chegaram ao território norte-americano, tudo contribuiu para que se desenvolvesse o discurso sobre o exercício das liberdades individuais.
Deste modo, as sociedades de idéias se propuseram a criar cidadãos que pouco a pouco assumiram uma consciência política, base de uma democracia representativa e de uma cultura política moderna. A essas associações modernas coube também o papel de ser meio de difusão das idéias liberais na sociedade civil, a partir de grupos sociais em transição. Elas estabeleceram, portanto, a liberdade de expressão, a liberdade de culto e estimularam a expansão do movimento associativo com a criação de novas sociedades. Em tais sociedades circulavam numerosas idéias que apareciam na nova imprensa associativa. O modelo atraiu grupos de elite, interessados na prestação de serviços educacionais e na difusão de valores morais individualistas. As associações não constituíam uma ordem natural à qual o indivíduo se incorporava a partir do seu nascimento. Nelas, se incorporavam os padrões da vida social, da constituição da pátria, do governo, dos direitos e dos privilégios que cada um desfrutava como indivíduo e cidadão. Essas associações eram também veículos típicos de ascensão social.
As associações voluntárias ganharam distintos formatos e buscaram atender diferentes objetivos. Foram lojas maçônicas, associações patrióticas, organizações literárias, instituições religiosas, organizações de educação escolar.
Para Jean Pierre Bastian, as associações voluntárias ofereceram, em todo o mundo, formas distintas de sociabilidade em meio de uma sociedade globalmente organizada e composta por atores sociais coletivos, centrados no indivíduo como ator político e social. A união dos seus membros se produziu por intermédio da relação das idéias com as finalidades. Laboratórios democráticos que serviram para educar seus membros pela prática política.
O nexo entre o Liberalismo e as associações serviu a vários governos para reforçar as bases da democracia. Por intermédio das suas associações voluntárias, os norte-americanos de diferentes idades, sexo e condição social se reuniram em torno de associações comerciais, industriais, religiosas e morais, para criar escolas, hospitais, prisões e igrejas, fundar seminários, construir albergues, difundir livros.
Talvez um bom exemplo do modo como as associações voluntárias se prestaram a conjugar esforços para atingir todo e qualquer objetivo na sociedade norte-americana seja a expansão das chamadas sociedades de temperança, que grassavam no território norte-americano durante a primeira metade do século XIX. Esse tipo de associação continua existindo atualmente[3]. As sociedades de temperança buscavam induzir os seus membros a se abster do uso de bebidas alcoólicas[4].
Juntamente com as sociedades de idéias, nasceu uma espécie de religião cívica. Dentre as diversas associações voluntárias que funcionaram nos Estados Unidos da América, a maçonaria se expandiu intensivamente, a partir do século XVIII. George Washington e Benjamin Franklin foram membros de uma loja maçônica da Filadélfia. Os maçons norte-americanos costumavam colaborar financeiramente para com a manutenção de instituições educacionais e outras organizações de prestação de serviços à sociedade. Durante a primeira metade do século XIX os norte-americanos observaram também a expansão do número de associações voltadas para questões humanitárias. Essas associações caritativas eram constituídas, principalmente para difundir os benefícios da Educação.
No Brasil, a partir do século XIX, a Maçonaria estabeleceu uma


rede de Lojas por todo o território brasileiro e organizou o que, provavelmente, foi a primeira atuação política articulada (nacional e internacionalmente), funcionando como uma espécie de arena para discussões voltadas ao processo de modernização. (...) a atuação da Maçonaria esteve ligada à difusão do ideário liberal, iluminista e anticlerical[5].


Uma espécie de Pragmatismo ético caracterizou o protestantismo norte-americano que chegou ao Brasil no século XIX. A missão das associações protestantes que atuaram no território brasileiro não consistia em inculcar ritos ou dogmas, mas principalmente um estilo de vida moral cujos principais signos tangíveis eram a leitura da Bíblia, a abstenção do álcool e do tabaco, o respeito ao descanso dominical, a proibição dos jogos de azar e a defesa da monogamia.
A Associação Cristã de Moços - ACM foi fundada em 1844 na Inglaterra por George Williams, articulando os vendedores de uma casa comercial e estendendo-se a partir daí por todo o mundo[6]. A instituição terminou atraindo cristãos de todos os credos, numa espécie de ecumenismo[7]. Por intermédio da Associação Cristã de Moços, as lideranças evangélicas procuravam recrutar novos missionários entre os estudantes universitários.


A obra difícil e delicada de apresentar a Cristo a mocidade intelectual ao mesmo tempo que se lhe oferece um ambiente moral e apoio social nos grandes centros escolares; a obra de concórdia internacional e de elevação moral da mocidade acadêmica em todo o globo – têm produzido uma aglomeração de elementos intelectuais e morais do evangelismo militante, para a consecução de grandes objetivos, sem que eles tenham sequer a idéia de se preocuparem com a sua particular cor sectária[8].


Mesmo instituições da maior importância e tradicionalmente organizadas pela Igreja ou pelo Estado, como as universidades, na federação norte-americana foram organizadas por iniciativa da sociedade civil. O acúmulo de grande riqueza por parte de alguns empresários durante a segunda metade do século XIX os levou a doar quantias significativas destinadas a implantar e manter universidades, associando seus nomes a uma iniciativa valorizada e aceita. Foi este o processo que levou a criação de escolas como John Hopkins University (1876), Clark University (1887), Stanford University (1891) e a University of Chicago (1891). Normalmente estas instituições recebiam o nome do seu patrocinador. Uma das poucas exceções é a da Universidade de Chicago, fundada com os fundos doados pela família Rockfeler.
Jean Pierre Bastian afirmou que, sob o marco do conflito constitutivo da modernidade nas sociedades latino-americanas, também foi muito importante o papel exercido pelas associações voluntárias. Dentre estas, ele registrou a chegada das sociedades de missionários norte-americanos e europeus aos países da América Latina. Este nexo se estabeleceu na origem, do movimento associativo que os liberais consideraram como a origem de um novo povo latino-americano.
Era este mesmo conjunto de princípios que mobilizava o discurso em torno da necessidade de organização das caixas escolares na escola seriada brasileira, uma importante ferramenta de custeio dos grupos escolares. Em Sergipe, as caixas escolares também foram um importante mecanismo de financiamento dessa atividade escolar. Estas eram formalmente instituições civis destinadas a amparar a infância pobre. No Grupo Escolar General Valadão, a sua Caixa Escolar recebeu o nome de Elvira Valadão, tendo os seus recursos servido para a aquisição e distribuição de livros e outros utensílios necessários ao ensino, ajudando a diminuir as dificuldades responsáveis pelo distanciamento existente entre as crianças de famílias pobres e a escola. Para arrecadar fundos, as “Caixas” organizavam festas.



[1] Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro I. Leis e costumes. 1a. ed. 2a. tiragem. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 220.
[2] “Os homens se encontram, os meios de execução se combinam, as opiniões se apresentam com aquela força e aquele calor... (...) os homens que professam uma mesma opinião estabelecem entre si um vínculo puramente intelectual; (...) eles formam como que uma nação à parte na nação, um governo no governo”. Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro I. Leis e costumes. 1a. ed. 2a. tiragem. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 220.
[3] Um bom exemplo desse tipo de sociedade é o movimento dos alcoólicos anônimos e também o de várias associações que buscam recuperar usuários de drogas.
[4] “Na minha passagem pelos Estados Unidos, as sociedades de temperança já contavam mais de 270.000 membros, e seu efeito fora o de reduzir, apenas no Estado da Pensilvânia, o consumo de bebidas fortes em 500.000 galões por ano”. Cf. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Livro I. Leis e costumes. 1a. ed. 2a. tiragem. São Paulo, Martins Fontes, 2001. p. 536.
[5] No período de 1860 a 1900 foram criadas mais de 650 lojas maçônicas no Brasil. Cf. RAMALHO, José Rodorval. Antiquae sed novae. Tradição e modernidade na maçonaria brasileira. São Paulo, PUC, 2004. (Tese de Doutorado em Ciências Sociais). p. 50-53.
[6] Internacionalmente, essa entidade é reconhecida pela sigla YMCA – Young Men Christian Association.
[7] Desde o início das suas atividades a Associação Cristã de Moços buscou atuar junto às escolas superiores e universidades. Segundo Erasmo Braga, “uma empresa de tão grande monta precisa da cooperação de todos os elementos válidos que pela natureza especial deles não podem ser monopolizados por nenhuma agremiação – esse trabalho agradável, fascinador, tem concorrido para aproximar uns dos outros os homens de maior capacidade mental, que por isso mesmo exercem larga influência no meio evangélico a que pertencem”. Cf. BRAGA, Erasmo. PAN-AMERICANISMO: aspecto religioso. Nova York, Sociedade de Preparo Missionário, 1916. p. 79.
[8] Cf. BRAGA, Erasmo. PAN-AMERICANISMO: aspecto religioso. Nova York, Sociedade de Preparo Missionário, 1916. p. 79.

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