domingo, 13 de dezembro de 2009

BREVE NOTÍCIA SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER, O PÚBLICO, O PRIVADO E O ENSINO AGRÍCOLA EM SERGIPE II

TÉCNICOS X PROFESSORES
Desde o princípio, o cargo de diretor da instituição era um posto de representatividade política bastante evidente, que conferia prestígio ao seu ocupante. Com a regulamentação do ensino agrícola no Brasil, em outubro de 1910, a legislação definiu que o “diretor dessas instituições deveria ser um engenheiro-agrônomo” . Com a federalização do Patronato, em 1934, e a sua transformação em Aprendizado, o poder dos diretores ficou mais visível. Principalmente depois que, em 1940, uma legislação federal formalizou a criação da função gratificada de Diretor de Aprendizado Agrícola .
Quando, em 1964, a denominação mudou para Colégio Agrícola Benjamin Constant o poder na Escola ainda era completamente exercido pelos engenheiros agrônomos e o delegado estadual do Ministério da Agricultura tinha uma influência significativa no processo político de escolha do diretor . O controle da rede federal de escolas estava subordinado ao Ministério da Agricultura, que mantinha, com sede no Rio de Janeiro, a Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário – SEAV. A Delegacia do Ministério da Agricultura no Estado funcionava com um colegiado integrado pelo Delegado , pelo diretor de defesa animal, pelo diretor de defesa vegetal e pelo diretor do Colégio Agrícola.
A tendência de transferir o ensino agrícola do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação já estava presente na Lei Orgânica do Ensino Agrícola, de 1946. A distância entre o ensino agrícola e os demais tipos de ensino médio era uma questão em debate no país. Segundo aquela legislação, “o ensino agrícola ficava dependente do Ministério da Agricultura, embora mantivesse uma organização semelhante a dos demais tipos de ensino médio” . Situações como essa demonstram que a lei não pode, portanto, simplesmente ser entendida como uma superestrutura que reflete diretamente a. Ela atende, de modo efetivo, a necessidades socialmente postas. As suas regras “penetram em todos os níveis da sociedade, efetuam definições verticais e horizontais dos direitos e status dos homens e contribuem para a autodefinição ou senso de identidade dos homens” .
Com a transferência do ensino agrícola federal do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação os engenheiros agrônomos passariam a influenciar menos a instituição. Aqui, outra vez, a lei não foi apenas imposta de cima sobre os homens, mas um meio através do qual os conflitos sociais foram regulados. O Decreto nº. 60.731, de 19 de maio de 1967, promoveu a transferência da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário para o Ministério da Educação e Cultura, atribuindo-lhe a denominação de Diretoria do Ensino Agrícola – DEA até 1970, quando foi criado o Departamento de Ensino Médio – DEM . O Departamento gerenciou o ensino agrícola até o ano de 1973, quando então foi implantada a Coordenação Nacional do Ensino Agrícola – COAGRI .
A transferência do ensino agrícola para o Ministério da Educação gerou algumas polêmicas, mas há vozes que participaram do processo e que continuam a considerar que o MEC era um espaço mais adequado para a definição da política própria ao ensino agrícola que o Ministério da Agricultura. “A Escola foi melhor [quando] subordinada ao MEC. Quando ela passou para o MEC ela melhorou. Foi devagarzinho, mas o MEC tinha melhores cabeças. O MEC era mais preparado para administrar a Escola que o Ministério da Agricultura. O pessoal do MEC tinha melhor formação” .
Idêntica é a avaliação do professor Matias Paulino da Silva: “quem faz educação é o Ministério da Educação. A atividade primordial do MEC é gerir o negócio da educação. O Ministério da Agricultura é mais o setor de produção, enfim da agricultura e pecuária. Depois tinha que ser o MEC. A evolução era pouca nas escolas” . Alguns professores concordam com esta interpretação, porém fazem uma ressalva: “Era necessário que a escola estivesse no Ministério da Educação, que é o lugar de educar. Mas, a finalidade dessa transferência não foi cumprida, porque o Ministério da Agricultura deixou de manter os investimentos e o custeio referentes a atividades agrícolas. O Ministério da Educação deveria assumir as responsabilidades financeiras pela formação geral, porém o Ministério da Agricultura deveria ser economicamente responsável pela parte da produção agrícola” .
Contudo, outros professores que também participaram do mesmo processo divergem deste ponto de vista: “Houve discussões acaloradas, na época de Laonte Gama. Vieram algumas pessoas do Ministério da Educação aqui para dar cursos. Aquilo não era curso, aquilo era doutrinação” . O entendimento dos que preferiam o Colégio Agrícola Benjamin Constant sob o controle do Ministério da Agricultura era o de que a filosofia dominante no Ministério da Educação comprometia a qualidade do ensino oferecido pela escola. Nesse conflito se revelam as posições em disputa e as divergências existentes entre a orientação pedagógica dos agrônomos e a proposta que o MEC procurava implementar:


[Vieram} duas mocinhas [técnicas do MEC]. [Uma delas] perguntou: “o que é Educação?” Depois que todo mundo verteu seus pontos de vista, aí [ela] disse: “Tá todo mundo errado. A educação é tudo isso e mais alguma coisa”. Quer dizer, foi uma lição formidável. Eram muito inteligentes, mas por debaixo disso existia um veneno, eu considero um veneno. Elas vieram para aqui com o objetivo de modificar qualitativamente o ensino. E eu disse na época: mas isso não é crime professora, nós estamos indo à frente. Elas não souberam me dizer quais as razões que elas estavam pedindo para você ensinar menos. O professor Tenisson [Aragão] se levantou inflamado: “Não há Ministério aqui que me faça... que me obrigue dar menos do que eu dou, eu vou dar... vou dizer um negócio a vocês eu vou dar mais”. O professor Giovane levantou muito mansamente e disse: “as funções algébricas, matemáticas, o meu conteúdo, é o conteúdo que a gente aprendia no ginásio antigo. Quer dizer se vocês querem minimizar isso...” .


Este era, de um modo geral o ponto de vista de engenheiros agrônomos e médicos veterinários. Segundo o professor Emanoel Franco, a área à qual a instituição se destina é agrícola. A área educacional não seria capaz de gerenciar um colégio agrícola. O debate, na verdade, revela uma posição extremamente preconceituosa de alguns profissionais que atuavam no Colégio quanto a necessidade de incorporar padrões pedagógicos ao seu trabalho, o que não fora visto como necessidade profissional docente enquanto a instituição esteve subordinada ao controle do Ministério da Agricultura. O professor Cândido Augusto Sampaio Pereira, expressa esse entendimento, ao comentar o que é Pedagogia:


a parte pedagógica começa a descobrir, (...) tenta descobrir chifre em cabeça de eqüino. (...) Maria foi para o mato e pegou a lenha. Esse tema vai ser inovado da seguinte forma: uma jovem chamada Maria saiu da cidade e foi para as campinas para pegar gravetos. Encontrou um toco e trouxe para queimar. Bom! São coisas assim fantasiosas... Eu lembro, por exemplo, do Compêndio que eu comprei, Eficiência e Eficácia. Parece que é de Tubino. Um trabalho dele que varou o Brasil inteiro (...) Eu li umas duas vezes. O que é que esse rapaz quer falar? Depois eu descobri (...) que eficiência é uma coisa e eficácia é outra. Mas é uma coisa tão boba, tão insignificante, tão irrelevante, que melhor seria que você não escrevesse, Eficiência e Eficácia .


Os professores que fazem a defesa do ensino agrícola sob controle do Ministério da Educação, e não do Ministério da Agricultura, algumas vezes exageram nas suas críticas quanto a esta última instituição além de defenderam com ardor a necessidade do refinamento das práticas pedagógicas no ensino agrícola.

As escolas agrotécnicas têm que estar no MEC porque elas têm de ser escolas técnicas e não agrícolas. Elas precisam oferecer ensino básico, ensino médio e ensino superior, a depender da condição de formação dos seus professores. A Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão poderá ser amanhã um novo Centro Federal de Formação Tecnológica do Estado de Sergipe .


As próprias relações entre os campos agrícola e educacional estão limitadas por essa legislação, que define os seus termos e determina as condições sob as quais a escola deve formar o profissional do setor agrícola. Subordinada ao Ministério da Educação, a Escola viveu um processo que acirrou e promoveu profundas alterações no processo de disputa de poder acadêmico entre as chamadas áreas técnica e acadêmica. Para a professora Cláudia Maria Lima Dantas, o pessoal da área técnica reclama “porque eles se sentiam os donos do ensino agrícola” .
Atualmente, os professores responsáveis pela formação geral têm maior influência no processo de tomada de decisão na Escola. “Os professores da área técnica têm outras atividades fora da Escola. Por isto, não se envolvem muito com as coisas, não discutem” . Essa é uma mudança radical nas relações de poder existentes entre os professores da Escola, principalmente quando se considera que até a década de 1980 existiam duas salas de professores na instituição: uma destinada aos professores da área técnica, bem instalada no edifício do pavilhão central e outra destinada aos docentes da chamada área acadêmica, que funcionava no pavilhão das salas de aula.
Já sob o controle do Ministério da Educação, o Colégio Agrícola Benjamin Constant viveu o processo de implantação da reforma do ensino da lei 5.692/1971, que determinou a mudança do sistema do ensino colegial agrícola para o ensino profissionalizante. A fim de tomar as providências necessárias à adaptação do ensino agrícola à nova lei, o MEC criou um grupo de trabalho do qual participaram professores de todo o país, estando o colégio do Quissamã representado pelos professores Tennyson Aragão e Abelardo Monteiro. Não obstante as dificuldades para dispor de um orçamento de investimentos, a instituição escolar conseguiu se transformar em uma importante expressão do ensino agrícola brasileiro na década de 1970. “Nós lideramos o ensino agrícola” .

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