sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A TRAGÉDIA ALEMÃ

O submarino alemão U-507 torpedeou o navio Baependi, um barco de passageiros de seis mil toneladas, na madrugada do dia 16 de agosto de 1942, pouco depois da meia-noite. O Unterboat 507 era responsável pela vigilância que submarinos nazistas fazia no quadrado marítimo compreendido entre os portos de Recife e Salvador. Na mesma madrugada o submarino torpedeou o navio Araraquara, de cinco mil toneladas. Mal o dia amanhecia, a terceira embarcação foi afundada pelo submarino: o navio Aníbal Benévolo, com 150 passageiros a bordo, dos quais apenas quatro sobreviveram. O dia amanhaceu com corpos das vítimas e de sobreviventes espalhados nas praias do litoral sul de Sergipe. Foram mais de 500 mortos nos três barcos afundados.
Depois do bombardeio dos navios na costa sergipana, um rumoroso inquérito policial foi aberto para apurar as responsabilidades dos alemães residentes em Sergipe. Como nas ocasiões de grande comoção, todos foram confundidos e acusados. Além de Herbert Merby e Paul Hagenbeck, o chefe de Polícia, Enoque Santiago, acusou Rudolf von Doehn, por este não ser “contrário ao regime nazista. Considerava que ele podia dar resultado benéfico para a Alemanha”; Gunther Schmekel, responsável pelos negócios do Consulado Alemão da Bahia em Sergipe, também era visto por Enoque Santiago como nazista.
A guerra vinha criticando um profundo desconforto para os alemães residentes em Sergipe. Mesmo para os que não tinham qualquer participação no conflito. Walter Löeser, filho de Karl, permaneceu preso em Aracaju, durante 32 dias, em 1941, sem nenhuma acusação contra ele. Sobre Walter pesavam apenas algumas suspeitas, principalmente pelo fato de haver lutado no Exército Alemão durante a I Guerra e haver recebido, como oficial, uma condecoração: a Cruz de Ferro.
Apesar de todas as acusações que fez, o chefe de polícia afirmou que somente obtivera provas suficientes para incriminar Herbert Merby, deixando de encaminhar ao Ministério Público os nomes dos demais acusados. Além disto, inocentou plenamente os alemães Otto Apenburg, Otto Karl Weide, Frei Euzébio Walter, Oscar Besthner e Oscar Backhaus.
A entrada do Brasil na guerra, ao lado dos aliados, veio empacotada em alguns negócios que o governo do Estado Novo conseguiu realizar com os norte-americanos e também pela expropriação de todo o capital alemão investido no país. Meses antes do embarque das tropas brasileiras para a Itália, em 1944, o governo brasileiro, em guerra com a Alemanha e Itália, baixou um decreto expropriando todos os bens dos chamados “súditos do Eixo”. Ou seja, toda empresa instalada no Brasil cujo controle estivesse nas mãos de capitais italianos, alemães ou japoneses passava a pertencer ao Estado brasileiro – mais especificamente, ao Banco do Brasil. Cumpridas as formalidades legais da expropriação, o banco passou a realizar leilões públicos das empresas.
O confisco da empresas alemãs era visto como uma necessidade, pois, segundo as afirmações de autoridades policiais brasileiras, os nazistas atuavam no território do Brasil disfarçados de amigos comerciais da Alemanha. Todos os alemães foram obrigados a um depósito, de acordo com a fortuna pessoal de cada um, recolhido ao Banco do Brasil. Nos termos do Decreto-Lei 4.166, de 11 de março de 1942, tais recursos permaneciam à disposição da Agência Especial de Defesa Econômica do Brasil, para uma possível indenização ou reparação de guerra, sem vencer juros. Apenas para exemplificar, em Sergipe, somente Paul Hagenbeck foi obrigado a depositar Cr$ 35.724,50 (Trinta e cinco mil, setecentos e vinte e quatro cruzeiros e cinqüenta centavos).
Para entender porque, não obstante a forte presença alemã em Sergipe desde a metade do século XIX, são poucos os estudos existentes a respeito do tema, é necessário considerar com Jacques Le Goff que “o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores”
As circunstâncias do processo político fizeram com que a própria comunidade alemã buscasse uma posição social mais discreta e menos visível, após as duas grandes guerras, tentando confundir-se, tanto quanto possível, com os grupos locais. Por outro lado, a imagem que se construiu dos alemães, em função das tragédias vividas em face do nacional-socialismo, fez com que a vida social brasileira, em comunidades nas quais eles não eram majoritários, tivesse maiores reservas no seu relacionamento com eles.

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