sábado, 5 de dezembro de 2009

DA HISTÓRIA DE ILUSTRAÇÃO À HISTÓRIA CULTURAL: OS ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO EM SERGIPE

Este estudo faz uma análise dos estudos de História da Educação em Sergipe, no período de 1916 a 2004. Examina-se o perfil da escrita dessa História da Educação, as preocupações dos historiadores, os usos que se tem feito desse objeto de estudo. Busca-se a elucidação do modo pelo qual os trabalhos analisados produziram sobre educação, as temáticas exploradas, os períodos históricos focalizados e seus critérios de seleção, as interrogações feitas às fontes e os modos de explicar a história que daí decorrem. Toda a análise considera os artigos veiculados em jornais e revistas, as separatas, as monografias, as dissertações de mestrado, as teses de doutoramento e os livros publicados no período analisado. No processo de delimitação do objeto, o trabalho considerou como sendo de História da Educação os textos publicados nos quais o tema analisado ou o modo de analisar está de alguma forma relacionado ao referido campo de estudo.
Em Sergipe, mesmo a produção abrigada em instituições não escolares só surgiu na década de 10 do século XX. Os primeiros textos de História da Educação produzidos em Sergipe podem ser chamados de história de ilustração . O objetivo deles era o de enriquecer o conjunto de conhecimentos do leitor. Esses estudos trazem a forte marca do esperançoso discurso da Pedagogia, carregado das certezas de um vir-a-ser coerente com os projetos que eram formulados. Daí a ênfase ter sido posta naquilo “que deveria ser a realidade e não naquilo que ela é. Essa ligação também gerou uma tendência em explicar os fenômenos educativos do passado por si mesmos, sem nenhuma relação com outros aspectos da sociedade” . Esse mesmo tipo de apropriação fez com que tais estudos privilegiassem a História das Idéias Pedagógicas. Depois começaram a surgir trabalhos que assumiam a História como guia para a ação do momento presente.
O primeiro estudo de História da Educação em Sergipe do qual se pode afirmar que tinha um compromisso com os métodos da história e que buscou entender o processo efetivamente vivido, é o artigo do professor José Calasans, “Ensino público em Aracaju (1830-1871)”, que circulou em 1951. O rigor metodológico do professor Calasans apontava para a necessidade da construção de uma História da Educação em Aracaju dedicada às instituições educacionais, práticas escolares, movimentos estudantis e outros objetos. Ele ainda não teve a sua obra devidamente analisada, não obstante ter sido pioneiro nesse campo. Os seus estudos da área são textos fundadores. A partir deles foi periodizada a História da Educação em Aracaju. Nos anos 40, José Calasans já incorporara o discurso que os historiadores do nosso tempo legaram ao campo da História da Educação. O professor Calasans propõe que a história da educação da cidade de Aracaju seja estudada, levando-se em consideração instituições e práticas escolares. No seu tempo, a maior parte dos textos da área privilegiava as idéias pedagógicas e a organização legislativa dos sistemas de ensino. Inversamente, Calasans analisa e dá sentido ao trabalho de professoras e professores primários e secundários; às práticas do ensino público e do ensino privado; à ação estudantil; às experiências pedagógicas; aos edifícios e aos equipamentos escolares.
O professor José Antônio Nunes Mendonça ao publicar o seu livro, A educação em Sergipe, inaugurou uma espécie de história de introdução na historiografia educacional sergipana. Usou a história sob a perspectiva do presentismo próprio aos estudos feitos à época, sob inspiração de A cultura brasileira, de Fernando de Azevedo , para construir um quadro interpretativo sob o qual a política educacional em Sergipe não fizera nenhum tipo de avanço antes que o grupo do autor sergipano passasse a intervir no palco da tomada de decisões.
Esse modo de utilização da história, o professor Nunes Mendonça apreendera nos seus contatos com o INEP, com Anísio Teixeira, e também com Fernando de Azevedo, como se explicita na leitura da correspondência que trocava permanentemente com esses dois importantes intelectuais da educação brasileira.
Não obstante a sua clareza historiográfica, José Calasans mantinha em comum com Nunes Mendonça a mesma crença, já referenciada, nas potencialidades civilizatórias educacionais.
Os pesquisadores sergipanos de História da Educação assumiram as interpretações de caráter marxista em seus textos, a partir de 1962, com a publicação do livro Ensino secundário e sociedade brasileira . Maria Thétis Nunes, a sua autora, era uma aplicada estagiária do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, no qual se ligou a intelectuais como Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto. Apesar desse primeiro livro encontrar dificuldades para continuar circulando no Brasil sob a ditadura militar de 1964, a autora continuou pesquisando com base na teoria marxista tal como concebida pela esquerda isebiana. Em 1984, Thétis Nunes publicou a História da Educação em Sergipe, mantendo a mesma perspectiva teórica e o mesmo rigor metodológico que assumira já no estudo de 1962. Historiadora de profissão, ao tratar da educação sob a perspectiva isebiana, Thétis assumiu o viés interpretativo que diz ser a história fundamentalmente a história das lutas de classes, licenciando-se para, a partir daí, fazer uma série de operações analíticas, nas quais as evidências que extrai das fontes se prestam a localizar as relações entre burguesia e proletariado. Também para identificar os interesses que as classes dominantes defendem. Na sua interpretação assumiu os pressupostos da história monumento que Fernando de Azevedo estabeleceu , sob os quais somente se viabiliza uma política educacional consistente no Brasil depois que o campo foi dominado pela ação dos chamados “Pioneiros da Educação Nova”.

Apoiada nos marcos cronológicos estabelecidos por Fernando de Azevedo, lançou seu olhar sobre a legislação referente à educação no período em foco. Para contextualizar o seu objeto se valeu de fontes secundárias (bibliográficas e manuscritas) a fim de apreender o panorama econômico, base do seu estudo. Entendeu que a educação no Brasil, desde as suas origens, se constituiu num transplante de idéias importadas de outras realidades e que, por isso não se ajustavam ao panorama nacional. Dessa forma, afirmou que o Estado sempre abdicou da responsabilidade sobre o sistema educacional. Apoiando-se em sólida base documental, Thétis Nunes interrogou suas fontes de modo a manter a escrita da história dentro do viés econômico determinista. Sua obra é ponto de referência .


Do legado desses autores, a herança mais forte é tributária da teoria marxista. Seja pela influência dos trabalhos da pesquisadora Maria Thétis Nunes ou pelas vertentes que se consolidaram nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras, a partir da década de 70. Muitos pesquisadores sergipanos que produziram dissertações de mestrado e teses de doutoramento em Sergipe e em universidades de outros Estados brasileiros nas décadas de 70 e 80 e mesmo na década de 90 foram influenciados pelas interpretações que intelectuais como Paulo Freire e Moacir Gadotti fizeram, enquanto outros assumiram a perspectiva mais permeável às idéias difundidas pelo professor Dermeval Saviani. Alguns desses trabalhos nem sempre dão às fontes o trato que é fundamental à operação historiográfica. Muitas vezes são reconstruídas trajetórias de grupos e reavaliadas conjunturas sem o obrigatório diálogo com os autores analisados.
As interpretações marxistas assumidas pelos trabalhos de História da Educação produzidos na Universidade Federal de Sergipe são textos que apresentam a escola como um espaço inerte, no qual não se toma qualquer iniciativa, estando submetido a uma plena dependência dos seus condicionantes sociais.
Há outras interpretações teóricas de cunho marxista que se diferenciam destas até agora apresentadas. Conseguem, mais fortemente, revelar a importância da escola, nas suas relações com o contexto social. Todavia, em algum momento, apresentam certa dificuldade na compreensão das relações escola-sociedade e terminam caindo na tentação de reificar as denúncias das práticas educacionais “como expressões do ajustamento do sistema escolar aos interesses da burguesia” . Invariavelmente incorrem na “prática de ‘história tribunal’, onde o olhar histórico se transmuta em ‘olhar julgador’” e gera “versões esteriotipadas dos movimentos educativos” .
Os autores desses trabalhos, em certa medida, tentavam contribuir para a ação política da segunda metade da década de 80, buscando nos processos vividos durante a primeira metade da década de 60 exemplos a serem seguidos. Em tais trabalhos, claramente, a história assumia o papel de guia para a ação do presente. De fato, todos esses trabalhos faziam, em certa medida, a defesa da luta transformadora do modo de produção através da escola, como uma “estratégia consciente e calculada, deliberadamente orientada pela procura daquilo que acabará daí advir, constituindo assim o juízo da história, quer dizer, do historiador, em juízo final” .
Nesse mesmo período começaram a surgir estudos reveladores de uma perspectiva de história cultural, além de uma forte preocupação com as práticas escolares e os demais objetos articulados com os estudos a respeito da cultura material escolar em trabalhos de História da Educação Brasileira.

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