quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

COMTE E A HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Um novo rumo à discussão acerca da História da Ciência foi dado pela teoria positivista de Augusto Comte (1798-1857). A teoria comteana dividia a história em três estágios: o teológico, o metafísico e o positivo. O primeiro estava embebido pelo caráter da religião, enquanto o segundo seria a expressão da Filosofia. O último dos estágios, no entanto, sintetizava a melhor etapa do desenvolvimento humano, incluindo o conhecimento das ciências da natureza na condição de modelo para as demais formas do conhecimento. Estava dada, portanto, a possibilidade de desenvolvimento social a partir de parâmetros científicos. Comte definiu, com a sua teoria, os passos a serem seguidos por todos os campos da ciência, inclusive pelas chamadas ciências humanas, propondo uma ciência da vida social: a Sociologia. Mas, teve o cuidado de chamar a atenção para o fato de que as ciências são diferentes, posto que cada uma delas deve ter campo e objeto de estudo específicos.
Os ensinamentos de Comte legaram um modo de fazer história segundo o qual os estudos qualificados devem colocar em relevo as três etapas do desenvolvimento humano. Porém, esta operação deve considerar uma farta demonstração empírica através da comprovação documental. Como nem sempre os que se lançaram a tal missão eram historiadores de ofício, muitas vezes os estudos sobre História da Ciência se transformaram em um infindável rosário de dados, posto que os seus escritores não estavam treinados para a operação historiográfica e desprezavam a seleção, além de não serem capazes de formular hipóteses e dirigirem às fontes perguntas pertinentes de modo a estabelecer um diálogo a partir do qual pudessem haurir o sentido da história que escreviam. Todavia, há também o processo inverso. Muitos manuais de História da Ciência dos anos 800 são verdadeiros tratados ficcionais, dissociados de qualquer tipo de documentação, com dados fantasiosos e histórias lendárias.
Apesar de muitas críticas que lhes são dirigidas, o modelo comteano possibilitou a produção de estudos de boa qualidade. O físico austríaco Ernest Mach (1838-1916) produziu, ainda no século XIX, um estudo no qual demonstra que os núcleos centrais do conhecimento científico se mantiveram constantes ao longo do tempo e sofreram aprimoramentos em face do desenvolvimento científico. Conseguiu demonstrar, com base na teoria de Augusto Comte, que todo o processo convergiu na direção da etapa do pensamento positivo. Não obstante a fundamentação qualificada, os críticos da obra de Mach, como Ana Maria Alfonso-Goldfarb (1994) dizem que a sua certeza teórica positivista o levou a selecionar evidências capazes unicamente de afirmar as suas hipóteses, desprezando fontes da maior importância.
Mas, talvez o melhor exemplo do tipo de história produzida por Ernest Mach seja o do físico francês Pierre Duhem, através dos trabalhos que publicou no início do século XX. Ele conseguiu localizar originais de manuscritos antigos e medievais que traduziu. Elaborou uma tese segundo a qual o processo da produção do conhecimento científico é uma cadeia contínua. Através do seu trabalho, produziu a re-significação da Idade Média, oferecendo uma contribuição da maior importância aos estudos de História da Ciência.
Histórias como as produzidas por Ernest Mach e Pierre Duhem estavam sempre preocupadas com o mito fundador de cada um dos campos. Como aponta Ana Maria Alfonso-Goldfarb, uma espécie de história pedigree que busca os pais, os avôs, os bisavôs de cada campo, fazendo com que Isaac Newton seja visto como o pai da Física moderna, Roger Bacon o avô da experimentação, Euclides o avô da Matemática moderna.
Todavia, a visão que tiveram muitos pesquisadores envolvidos com o cotidiano de cada campo da ciência ao longo do século XX era a de que a História da Ciência não tinha muito a dizer. Os historiadores de ofício não eram entendidos pelos estudiosos dos distintos campos da ciência como interlocutores credenciados. Fazer História da Ciência era visto como uma espécie de prêmio que os departamentos e escolas de ciências das universidades concediam aos cientistas mais velhos, um modo de estimular e entusiasmar jovens cientistas. Acreditava-se que ao alcançar a maturidade numa área de estudos, alcançava-se também o mérito de poder falar sobre sua história. Caso semelhante acontecia com os grandes cientistas que, como Albert Einstein, publicavam textos ou davam às vezes conferências sobre a evolução dos conceitos científicos. Mas tanto as aulas quanto os textos ou conferências eram vistos apenas como curiosidade.

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