terça-feira, 15 de dezembro de 2009

BREVE NOTÍCIA SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER, O PÚBLICO, O PRIVADO E O ENSINO AGRÍCOLA EM SERGIPE III

O PÚBLICO E O PRIVADO

Sergipe foi um dos Estados da região Nordeste onde a Sudene teve atuação significativa. Os indicadores dessa atuação ficaram no Estado. O Colégio Agrícola Benjamin Constant buscou recursos para investimentos junto à Sudene e teve condições de adquirir ônibus para transportar professores e estudantes. “Os meus funcionários e professores andavam em cima de um caminhão velho” . Também foram adquiridos tratores para as práticas do ensino de técnicas agrícolas com recursos da mesma Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, que financiou ainda a construção de praça e ginásio de esportes. Da mesma maneira foram reformados e ampliados os dormitórios e alojamentos do Colégio.
O prestígio da instituição cresceu em todo o Estado de Sergipe durante as décadas de 1960 e 1970. Em 1963, o então vice-diretor da Escola Agrotécnica Benjamin Constant, Tennyson Araújo Aragão, assumiu o cargo de diretor, até julho de 1964, quando então requereu licença para exercer o cargo de secretário da agricultura e produção do Estado de Sergipe . Durante a década de 1970, o diretor do Colégio Agrícola Benjamin Constant ocupava uma das cadeiras do Conselho Estadual de Educação . Da mesma maneira, tinha assento no Conselho de Administração da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Sergipe – EMATER-SE. Também junto ao Ministério da Educação era grande o prestígio institucional, a ponto de o diretor do Colégio haver sido designado pelo MEC para supervisionar as escolas agrícolas da região Nordeste. O prestígio que a instituição angariou foi também possibilitado pelo fato de ser o Colégio um dos cinco escolhidos pelo Ministério da Educação e Cultura como colégio-modelo destinado a receber parte dos recursos obtidos pelo governo brasileiro por empréstimo junto ao Banco Mundial .
Esse prestígio e as posições políticas, todavia, foram conquistados a partir de iniciativas do próprio Colégio. Mesmo porque, o relacionamento com as instituições da política agrícola do Estado de Sergipe nem sempre era linear. Muitas dessas instituições se mantinham distanciadas do Colégio, mas este as provocava mostrando as contribuições que poderia oferecer. De certo modo, faltava a alguns dirigentes do setor agrícola a necessária clareza quanto a possibilidades de contribuição que potencialmente o estabelecimento de ensino possuía. Contudo, algumas autoridades estaduais demonstravam muita sensibilidade em relação ao trabalho do Colégio . Mas, de um modo geral, os que passaram pela sua direção preferem destacar as dificuldades de atuação no setor primário em Sergipe. Também para muitos professores, a Escola vivia isolada .
Contudo, há vozes que discordam desse tipo de avaliação: “Quando o Ministério da Agricultura promovia curso, seminário, convidava a escola, sempre ouvia a escola. Havia um entrosamento perfeito da escola com os órgãos do Ministério da Agricultura, Secretaria da Agricultura, Embrapa, Codevasf e Banco do Nordeste” . Esse tipo de depoimento, por certo, é desautorizador da visão segundo a qual a instituição viveria distanciada das entidades responsáveis pela política agrícola em Sergipe .
Funcionando com os recursos do orçamento dos Ministérios da Agricultura e da Educação, a instituição, não obstante os apoios recebidos, raramente podia contar com o auxílio financeiro dos governos do Estado e de municípios que se beneficiavam diretamente da sua ação, como São Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro e Aracaju. Contudo, o município de São Cristóvão tinha inclusive um representante no Conselho da instituição. Algumas vezes, o governo estadual utilizava a estrutura do Departamento de Estradas de Rodagem – DER para dar manutenção à estrada de acesso à escola. Porém, a unidade escolar agrícola sempre colaborava com instituições públicas, principalmente


a Inspetoria de Fomento Agrícola e a Defesa Sanitária Animal, vindo em seguida outras, inclusive, também, algumas prefeituras. Nossas máquinas não se limitam a cumprir apenas a finalidade de treinamento de alunos nem a trabalhar somente em nossa área. Extendemos nossas atividades a diversas zonas, mormente aos municípios mais próximos, por se tornar mais conveniente a fiscalização e o transporte do material. Até fora das fronteiras de Sergipe tem chegado a colaboração (...), que, não mede sacrifícios para elevar cada vez mais o nome da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário. Assim é que, por determinação do Sr. Superintendente, cedemos por empréstimo um trator para a Escola de Satuba, em Alagoas. .


Segundo o professor Laonte Gama da Silva era importante levar os alunos da escola, principalmente os da terceira série, para as palestras sobre agronomia que eram promovidas em Aracaju. Algumas vezes, o Colégio conseguia firmar parcerias com o setor empresarial agrícola e com o comércio . Outras vezes esses entendimentos consistiam em encaminhar representantes para participar de eventos promovidos pelo setor privado . Porém, na década de 1940, quando a instituição ainda se denominava Aprendizado Agrícola Benjamin Constant, dentre os cursos oferecidos estava o Curso de Adaptação, aberto a toda a comunidade, que funcionava promovendo uma aproximação entre o Aprendizado e o setor agrícola, principalmente os proprietários rurais .
Na Escola Agrotécnica Banjamin Constant esse tipo de curso era oferecido principalmente através do Centro de Treinamento de Tratoristas. O Centro fora criado a partir do ano de 1952 em várias escolas da rede mantida pelo Ministério da Agricultura. O argumento utilizado pelo governo federal era o de que “procurou-se ampliar o programa de preparação de pessoal para atender às exigências da mecanização da lavoura” . O centro oferecia o treinamento a trabalhadores rurais que, após 60 dias de aula, recebiam um certificado de capacitação que os habilitava ao exercício da atividade de tratorista .
O fato é que foi comum, durante toda a história da instituição, a utilização dos equipamentos públicos para a prestação de serviços a particulares . É comum, nas memórias dos ex-diretores da escola que alguns deles acusem os seus ex-colegas de uso privado dos bens públicos da instituição. Mas, quando se referem ao seu próprio período administrativo dizem nunca ter existido tal fato . Na melhor das hipóteses admitem ser uma ação pedagógica imprescindível ao processo formativo ao qual os alunos estão submetidos:


Os alunos deste centro logo após receberem os imprescindíveis conhecimentos teóricos e, desde que não haja serviços a executar em nossas áreas, fazem estágio de treinamento nas fazendas próximas a fim de adquirirem a necessária habilidade e o domínio completo da profissão de tratoristas. Com este método eles tomam contato direto com a realidade e experimentam toda sorte de dificuldades e imprevistos que surgem com a rotina da labuta cotidiana. Também os fazendeiros são grandemente beneficiados porque embora seus campos de cultura sirvam de treinamento, o trabalho realizado compensa satisfatoriamente. A base da cooperação é feita da seguinte maneira: o lavrador cede suas áreas de cultura, fornece alojamento e alimentação para os alunos e instrutores, assim como também todo o combustível e lubrificante necessário. O nosso Centro entra com os tratores e respectivos implementos, veículos para o transporte dos mesmos, alunos e seus instrutores. (...) atendemos a um número grande de lavradores (...) concentrando-se nossas atividades nos seguintes municípios: São Cristóvão, Divina Pastora, Estância, Aracaju, Itaporanga d’Ajuda, Ribeirópolis, Laranjeiras e Pacatuba. Nestes trabalhos estão incluídos destocamento, aradura, gradagem, semeadura, capina, transporte de material agrícola etc .


A prática não só foi corrente como valorada de modo positivo pela maioria dos professores da Escola.

Os alunos faziam estágios nas propriedades. A Escola mandava seus alunos e seus técnicos para as propriedades, e era bom. Mandava equipamentos e instrumentos agrícolas. Era bom para a Escola e era bom para os proprietários. Eles tinham um técnico que estava se especializando dentro da fazenda dele e ele ainda se beneficiava do material da Escola .


O entendimento era o de que a Escola se relacionava com os proprietários rurais a fim de melhorar os padrões da agricultura e da pecuária do Estado através da colaboração técnica a esses estabelecimentos .
O discurso dos ex-diretores, de um modo geral, é revelador de um período no qual os interesses públicos eram administrados com um forte caráter privatista. Esse comportamento foi recorrente nas práticas de todos os diretores, de Juvenal Canário, em 1924, a Francisco Gonçalves, em 1988. As relações entre os setores público e privado na história da instituição servem para demonstrar que muitas vezes a lei é ineficaz. Contudo, mesmo quando a eficácia da lei falta à sua retórica de igualdade, “ainda assim a noção de domínio da lei é, em si, um bem incondicional” . A própria natureza do Estado brasileiro levava a se confundir público e privado. Os próprios dispositivos legais estabelecidos após a entrada em vigor da Constituição de 1988 é que possibilitaram uma relação mais equilibrada entre o público e o privado, estabelecendo limites mais rígidos aos mecanismos através dos quais o poder é exercido.

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