quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

CIÊNCIA E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Certamente, boa parte dos estudos de História da Ciência foi produzida sem levar em consideração o que ocorria nos círculos acadêmicos da História. Nas suas origens, as relações mais estreitas da História da Ciência foram estabelecidas com o campo da Filosofia, o que certamente contribuiu para a produção de duas das suas marcas distintivas: a) o desinteresse dos pesquisadores de História por estudos dessa natureza; b) a manutenção da História como disciplina complementar, depositária ou auxiliar de outras.
A proximidade da História da Ciência com a Filosofia (Lógica, Epistemologia, Filosofia da Linguagem) fez com que a primeira fosse um campo estranho no interior dos estudos históricos. Contudo, a partir da segunda metade do século XX começaram a surgir trabalhos que consideram a História da Ciência a partir dos métodos e dos procedimentos próprios da História. Mas, esses estudos se depararam com um problema: a longa tradição dos estudos de História da Ciência vinculados ao campo da Filosofia fez com que quando os procedimentos metodológicos e teóricos da História fossem utilizados, já estivesse solidamente enraizado um determinado tipo de compreensão de História da Ciência, o que criou e continua criando muitas dificuldades para a sua compreensão a partir da lógica histórica.
Por isto, houve necessidade de que a História da Ciência fosse aos poucos assimilando, filtrando e adaptando elementos da História, que combinava com outros elementos da Sociologia, da Antropologia e de várias ciências humanas. Em face de todas essas incorporações, surgiram novos métodos e processos adaptadores da História da Ciência ao uso de procedimentos que admitiam as contribuições procedentes de distintos campos.
A chamada Ciência Moderna começou a se delinear entre os séculos XVI e XVII. Nos séculos XVIII e XIX, as regras do saber científico ganharam mais clareza, consolidando, inclusive, o uso dos vocábulos Ciência e Cientista com o sentido que possuem contemporaneamente. Esta Ciência influenciou um conjunto de práticas civilizatórias, criando um habitus que se expressa através das mudanças nos currículos escolares, na prosperidade econômica, na incorporação de recursos tecnológicos, no estabelecimento de padrões sanitários, na adoção de regras de comportamento e valores éticos e morais. A idéia de Ciência estava inicialmente imbuída de um caráter teleológico que associava a produção do conhecimento a um venturoso porvir no qual seria possível produzir a felicidade coletiva.
Nesse mesmo processo, o embate em torno da definição das origens, das regras, dos que tinham legitimidade para exercer as práticas científicas foi constituindo também uma História da Ciência. Assim, mais do que uma História, ela nasceu com o status de um discurso justificador, legitimador de um conjunto de conhecimentos. Ela não se estabeleceu como História, mas sim como manifestação de fé na Ciência. O discurso da História da Ciência muitas vezes se apresentava sob a forma de história tribunal, fazendo o julgamento dos erros e acertos que contribuíram para que a Ciência avançasse até aquele estágio ou produziram entraves que buscaram desviar o conhecimento científico daquilo que criam ser a inexorável marcha em direção ao ansiado progresso.
Os problemas enfrentados pela Ciência, principalmente a partir da metade do século XIX, quando questionamentos contundentes foram feitos a utilização do conhecimento científico em guerras que dizimaram grandes massas populacionais, fizeram com que os estudos de História da Ciência voltassem a chamar a atenção pela capacidade que revelavam como ferramentas úteis à produção de uma crítica a critérios científicos tradicionalmente aceitos. Mas, para isto era necessário que os estudos sobre História da Ciência apresentassem padrões efetivamente históricos.
À medida que assumiu tais padrões, a História da Ciência foi capaz de compreender problemas que foram apagados por um suposto caráter de continuidade próprio ao progresso científico. Assim, contribuiu para a recuperação do caráter de saber historicamente inventado e produzido socialmente pela cultura humana que tem a Ciência, ajudando a desconstruir o entendimento de Ciência como atividade à qual uns poucos gênios se dedicam para realizar grandes descobertas.
Foi deste modo que a História da Ciência começou a renunciar a um tipo de estudo de caráter eminentemente filosófico, preocupado em comparar várias teorias para esclarecer como uma derivou da outra, contando uma história atemporal na qual os renascentistas aparecem ladeados com os gregos do século V antes de Cristo.

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