domingo, 27 de dezembro de 2009

A PRODUÇÃO AÇUCAREIRA E A INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIA INDUSTRIAL

A tecnologia industrial aportou em Sergipe trilhando os caminhos da produção açucareira. Data de 1602 o primeiro engenho, trazido pelas mãos do desembargador Baltazar Ferraz (SEBRÃO SOBRINHO, 1955, 25). Quando o primeiro presidente da Província, Manuel Fernandes da Silveira, tomou posse no dia cinco de março de 1824, o número de engenhos sergipanos de açúcar era de 226. Em 1860, cinco anos depois da mudança da capital para Aracaju, eram já 769 engenhos, fazendo com que a produção açucareira de Sergipe superasse a da Província da Bahia e a do Rio de Janeiro. Mas apesar da quantidade de açúcar que a Província produzia, existem observações dando conta da má qualidade e da baixa produtividade na produção açucareira.


Em média, os engenhos sergipanos produziam de 55 a 88 caixas de açúcar. Além da péssima qualidade, essa produção era considerada por todos como extremamente baixa para as qualidades da terra. (...) Era um volume muito baixo de produção, atentarmos para os custos do empreendimento (ALMEIDA, 1978, 19).


Essa pequena produtividade redundava em sérias conseqüências, principalmente nos períodos em que os preços caíam no mercado externo. Os engenhos enfrentavam dificuldades para saldar os seus débitos e alguns proprietários perdiam seu negócio para os comerciantes credores.
Requerendo os conhecimentos da Química, da Agronomia e da Engenharia Mecânica, a produção açucareira induziu também a incorporação tecnológica aplicada à engenharia de construção de canais, uma vez que em 1825, o deputado Eusébio Vanério, representante de Sergipe, solicitou ao Imperador Pedro I a autorização para que se construísse um canal que ligasse os rios Pomonga e Japaratuba, beneficiando o comércio do açúcar. A canalização dos rios e a interligação de todas as bacias foram ideais cultivados em Sergipe durante todo o século XIX. Uma lei provincial de 12 de março de 1835 autorizou a construção do canal ligando o rio Japaratuba ao rio Pomonga e uma outra, de 16 de março do mesmo ano, autorizou a abertura de uma canal que ligasse o rio Santa Maria ao rio Poxim. Contudo, em 14 de maio de 1849 a lei provincial 258 autorizou a abertura de um canal que ligasse todas as bacias da Província de Sergipe, do rio São Francisco ao rio Real. Do rio São Francisco passar-se-ia ao Japaratuba; deste ao Pomonga; do Pomonga à bacia Poxim Santa Maria; desta ao rio Vasa Barris; e, deste último ao rio Real.
Este tipo de preocupação era muito importante para a economia da Província, uma vez que, em 1850, Sergipe exportava açúcar para Copenhague, Hamburgo, Trieste, Gibraltar, Londres, Gothemburgo, Antuérpia, Rio de Janeiro, Bahia, Santos, Paranaguá, Belmonte, Valença, Cachoeira, Penedo, Torre de Tatuapara, Espírito Santo, Maceió e Pernambuco (SEBRÃO SOBRINHO, 1955, 81).
Todo esta pretensão, porém se apequenava, diante da proposta formulada por Raimundo de Araújo Jorge: um canal de 130 léguas (cerca de 780 quilômetros) que ligasse a Bahia a Alagoas, passando por Sergipe. A justificava para tão grande canal era a necessidade de evitar a navegação costeira em Sergipe, posto que os canais de acesso aos rios da província eram móveis e os naufrágios freqüentes (SEBRÃO SOBRINHO, 1955, 40).
Não obstante o entusiasmo econômico existente na Província nos primeiros anos da década de 50 do século XIX com o bom andamento dos negócios, pesquisadores como a professora Maria da Glória Santana de Almeida indicam que do ponto de vista da tecnologia agrícola, Sergipe se ressentia da “falta de técnicas no tratamento do terreno e na semeadura e o esperdício espacial da propriedade”, reduzindo sensivelmente os terrenos dedicados propriamente ao plantio da cana (ALMEIDA, 1978, 19).
Do ponto de vista da tecnologia utilizada para a produção açucareira é importante assinalar que em Sergipe somente se fabricava o produto bruto, não se refinava o açúcar na Província. O açúcar não era, entretanto, o único produto importante que se extraía da cana. O processo de produção possibilitava também a fabricação de aguardente, o segundo produto de exportação mais rentável da Província de Sergipe. Normalmente, nas regiões em que havia engenhos, existiam também alambiques.
O engenheiro mecânico Karl Albert Gustav Munck chegou a Laranjeiras em 1907, aos 26 anos de idade, com o objetivo de trabalhar na montagem de máquinas dos engenhos de cana de açúcar. Voltou à Alemanha quatro anos depois, por poucos dias, para casar com Ana Hodewig Julia Roessung. Fixado definitivamente em Sergipe, com sua esposa, em 1918 criou uma companhia elétrica e firmou um contrato para instalar e manter a iluminação elétrica pública das casas e das ruas laranjeirenses, movida por motor Deutz a gasogênio que importara da Alemanha. Conhecia bem o município e a sua sede, tendo àquela altura já montado as máquinas de mais de 40 usinas açucareiras. Na sua oficina mecânica trabalhavam mais de 150 operários, e dentre as inovações da modernidade que introduzira em Sergipe, se incluía a fabricação de gelo. Representante da empresa alemã Maschinenfabrik Sangar Hausen, especializada na fabricação de equipamentos para engenhos e usinas de açúcar, trouxe do seu país dois outros mecânicos: Adolph Bergeher e Hans Schudler, que o auxiliavam no trabalho de montagem dos equipamentos.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

A TRAGÉDIA ALEMÃ

O submarino alemão U-507 torpedeou o navio Baependi, um barco de passageiros de seis mil toneladas, na madrugada do dia 16 de agosto de 1942, pouco depois da meia-noite. O Unterboat 507 era responsável pela vigilância que submarinos nazistas fazia no quadrado marítimo compreendido entre os portos de Recife e Salvador. Na mesma madrugada o submarino torpedeou o navio Araraquara, de cinco mil toneladas. Mal o dia amanhecia, a terceira embarcação foi afundada pelo submarino: o navio Aníbal Benévolo, com 150 passageiros a bordo, dos quais apenas quatro sobreviveram. O dia amanhaceu com corpos das vítimas e de sobreviventes espalhados nas praias do litoral sul de Sergipe. Foram mais de 500 mortos nos três barcos afundados.
Depois do bombardeio dos navios na costa sergipana, um rumoroso inquérito policial foi aberto para apurar as responsabilidades dos alemães residentes em Sergipe. Como nas ocasiões de grande comoção, todos foram confundidos e acusados. Além de Herbert Merby e Paul Hagenbeck, o chefe de Polícia, Enoque Santiago, acusou Rudolf von Doehn, por este não ser “contrário ao regime nazista. Considerava que ele podia dar resultado benéfico para a Alemanha”; Gunther Schmekel, responsável pelos negócios do Consulado Alemão da Bahia em Sergipe, também era visto por Enoque Santiago como nazista.
A guerra vinha criticando um profundo desconforto para os alemães residentes em Sergipe. Mesmo para os que não tinham qualquer participação no conflito. Walter Löeser, filho de Karl, permaneceu preso em Aracaju, durante 32 dias, em 1941, sem nenhuma acusação contra ele. Sobre Walter pesavam apenas algumas suspeitas, principalmente pelo fato de haver lutado no Exército Alemão durante a I Guerra e haver recebido, como oficial, uma condecoração: a Cruz de Ferro.
Apesar de todas as acusações que fez, o chefe de polícia afirmou que somente obtivera provas suficientes para incriminar Herbert Merby, deixando de encaminhar ao Ministério Público os nomes dos demais acusados. Além disto, inocentou plenamente os alemães Otto Apenburg, Otto Karl Weide, Frei Euzébio Walter, Oscar Besthner e Oscar Backhaus.
A entrada do Brasil na guerra, ao lado dos aliados, veio empacotada em alguns negócios que o governo do Estado Novo conseguiu realizar com os norte-americanos e também pela expropriação de todo o capital alemão investido no país. Meses antes do embarque das tropas brasileiras para a Itália, em 1944, o governo brasileiro, em guerra com a Alemanha e Itália, baixou um decreto expropriando todos os bens dos chamados “súditos do Eixo”. Ou seja, toda empresa instalada no Brasil cujo controle estivesse nas mãos de capitais italianos, alemães ou japoneses passava a pertencer ao Estado brasileiro – mais especificamente, ao Banco do Brasil. Cumpridas as formalidades legais da expropriação, o banco passou a realizar leilões públicos das empresas.
O confisco da empresas alemãs era visto como uma necessidade, pois, segundo as afirmações de autoridades policiais brasileiras, os nazistas atuavam no território do Brasil disfarçados de amigos comerciais da Alemanha. Todos os alemães foram obrigados a um depósito, de acordo com a fortuna pessoal de cada um, recolhido ao Banco do Brasil. Nos termos do Decreto-Lei 4.166, de 11 de março de 1942, tais recursos permaneciam à disposição da Agência Especial de Defesa Econômica do Brasil, para uma possível indenização ou reparação de guerra, sem vencer juros. Apenas para exemplificar, em Sergipe, somente Paul Hagenbeck foi obrigado a depositar Cr$ 35.724,50 (Trinta e cinco mil, setecentos e vinte e quatro cruzeiros e cinqüenta centavos).
Para entender porque, não obstante a forte presença alemã em Sergipe desde a metade do século XIX, são poucos os estudos existentes a respeito do tema, é necessário considerar com Jacques Le Goff que “o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores”
As circunstâncias do processo político fizeram com que a própria comunidade alemã buscasse uma posição social mais discreta e menos visível, após as duas grandes guerras, tentando confundir-se, tanto quanto possível, com os grupos locais. Por outro lado, a imagem que se construiu dos alemães, em função das tragédias vividas em face do nacional-socialismo, fez com que a vida social brasileira, em comunidades nas quais eles não eram majoritários, tivesse maiores reservas no seu relacionamento com eles.

A TRISTEZA ALEMÃ NOS TRÓPICOS

Quando da sua chegada a Maruim, o casal Ernest e Adolphine Schramm foi objeto de todas as atenções por parte da comunidade alemã e alvo do estranhamento dos maruinenses e dos negros escravos que queriam ver “a senhora inglesa” – já que assim consideravam todas as mulheres de pele clara.
Até o final da década de 50 do século XIX Otto Schramm, o irmão e sócio de Ernest, já havia instalado um consulado alemão na cidade e exercia a função de Cônsul. Quando o Imperador Pedro II visitou Maruim, em 1860, achavam-se hasteadas no local de desembarque algumas bandeiras dos países estrangeiros representados na cidade: Alemanha, Inglaterra, Suécia, Noruega, Nápoles e Áustria. Em 1878, quando da visita de Francisco Idelfonso Ribeiro de Menezes, presidente da Província, a Maruim, em nome do consulado alemão compareceram à solenidade Herman Kotsch, Johan Heinrich Winter e o próprio Otto Schramm. No local onde funcionou o consulado, instalou-se, no século XX, o Parque Otto Schramm.
Adolphine Schramm, alemã de finos hábitos, rica e bem educada, sentia falta de flores, árvores e considerava as estradas e caminhos muito ruins, ao tempo em que registrava como era desagradável e salobra a água maruinense. Do mesmo modo, detestava as cobras, os lagartos, os escorpiões, o zumbido dos mosquitos, o calor tropical e as formigas. Na culinária, criticava a feijoada, a dificuldade para encontrar leite, a escassez de ovos de galinha e os preços dos gêneros alimentícios, que considerava muito caros. Nas cartas que enviava aos seus parentes e amigos alemães, Adolphine revelava que não havia nada comparável aos bichos de porco “que se encravam sob as unhas dos dedos dos pés e ali põem seus ovos e logo depois de uma hora, através de uma terrível coceira, anunciam sua presença”. A terapia era aplicada através de uma cuidadosa assepsia dos pés realizada por um dos escravos. “A operação quase não dói e é sempre executada por negros que têm habilidade especial para tirar essas pústulas sem infeccionar”.
É importante anotar que nem todos os alemães que viviam em Maruim podiam dispor do fausto proporcionado pela riqueza que os Schramm tinham à sua disposição. Em uma carta que enviou à sua mãe no dia cinco de fevereiro de 1859, Adolphine é mordaz a esse respeito: “Vejo ao meu redor homens que dedicaram quase toda a juventude aos negócios no Brasil, sem que até agora tenham conseguido o necessário para retornar à sonhada terra natal. Se, de certa forma, conseguiram amealhar considerável patrimônio, investiram em terrenos impossíveis de vender, nas mãos dos fazendeiros, em prédios etc, que demandam anos para serem transformados em dinheiro”.
Para dar força à sua tese, buscou exemplos nos alemães que gravitavam em torno do seu círculo familiar. Citou nominalmente Busch, contador, com 38 anos de idade, cinco de trabalho no Brasil e dispondo apenas do seu salário para sobreviver. Wiedemann, com idade de 40 anos, exercia a função de caixa, trabalhando no Brasil durante 20 anos, dos quais 15 em Maruim. Entretanto, afirmava considerar boa a vida das mulheres no país: “Nós, mulheres, (...) temos vida boa aqui, pois nossos maridos gostariam de conservar-nos numa moldura”.
A família Shcramm sofreu um duro golpe em Maruim, no ano de 1863, com a morte de Adolphine, falecida em onze de abril daquele ano, por haver contraído cólera. Luterana, Adolphine não teve direito a ser sepultada na Igreja Matriz nem no cemitério, como era o hábito de enterramento em relação às pessoas da elite, no período. O espaço destinado a sua sepultura foi uma área de terra na propriedade da família Schramm.
Na década de 70 do século XIX uma outra importante família alemã se instalou em Sergipe: os Löeser. O comerciante Karl Löeser fixou-se em Maruim como gerente da Casa A. Schramm & Co. Casado com uma alemã, Alma, deixou uma prole de três filhos: Walter, Emy e Alice. No início do século XX, Karl transferiu-se para Aracaju e já era à época, ele mesmo comerciante autonomamente estabelecido com negócios de importação e exportação de açúcar, bacalhau, louça e ferragens. No período da I Guerra Mundial enfrentou dificuldades, em função das quais a sua mulher retornou à Europa. Sem que ela regressasse, Karl casou novamente no Brasil, formando uma nova família, com três filhas e um filho.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A TRISTEZA ALEMÃ NOS TRÓPICOS

Quando da sua chegada a Maruim, o casal Ernest e Adolphine Schramm foi objeto de todas as atenções por parte da comunidade alemã e alvo do estranhamento dos maruinenses e dos negros escravos que queriam ver “a senhora inglesa” – já que assim consideravam todas as mulheres de pele clara.
Até o final da década de 50 do século XIX Otto Schramm, o irmão e sócio de Ernest, já havia instalado um consulado alemão na cidade e exercia a função de Cônsul. Quando o Imperador Pedro II visitou Maruim, em 1860, achavam-se hasteadas no local de desembarque algumas bandeiras dos países estrangeiros representados na cidade: Alemanha, Inglaterra, Suécia, Noruega, Nápoles e Áustria. Em 1878, quando da visita de Francisco Idelfonso Ribeiro de Menezes, presidente da Província, a Maruim, em nome do consulado alemão compareceram à solenidade Herman Kotsch, Johan Heinrich Winter e o próprio Otto Schramm. No local onde funcionou o consulado, instalou-se, no século XX, o Parque Otto Schramm.
Adolphine Schramm, alemã de finos hábitos, rica e bem educada, sentia falta de flores, árvores e considerava as estradas e caminhos muito ruins, ao tempo em que registrava como era desagradável e salobra a água maruinense. Do mesmo modo, detestava as cobras, os lagartos, os escorpiões, o zumbido dos mosquitos, o calor tropical e as formigas. Na culinária, criticava a feijoada, a dificuldade para encontrar leite, a escassez de ovos de galinha e os preços dos gêneros alimentícios, que considerava muito caros. Nas cartas que enviava aos seus parentes e amigos alemães, Adolphine revelava que não havia nada comparável aos bichos de porco “que se encravam sob as unhas dos dedos dos pés e ali põem seus ovos e logo depois de uma hora, através de uma terrível coceira, anunciam sua presença”. A terapia era aplicada através de uma cuidadosa assepsia dos pés realizada por um dos escravos. “A operação quase não dói e é sempre executada por negros que têm habilidade especial para tirar essas pústulas sem infeccionar”.
É importante anotar que nem todos os alemães que viviam em Maruim podiam dispor do fausto proporcionado pela riqueza que os Schramm tinham à sua disposição. Em uma carta que enviou à sua mãe no dia cinco de fevereiro de 1859, Adolphine é mordaz a esse respeito: “Vejo ao meu redor homens que dedicaram quase toda a juventude aos negócios no Brasil, sem que até agora tenham conseguido o necessário para retornar à sonhada terra natal. Se, de certa forma, conseguiram amealhar considerável patrimônio, investiram em terrenos impossíveis de vender, nas mãos dos fazendeiros, em prédios etc, que demandam anos para serem transformados em dinheiro”.
Para dar força à sua tese, buscou exemplos nos alemães que gravitavam em torno do seu círculo familiar. Citou nominalmente Busch, contador, com 38 anos de idade, cinco de trabalho no Brasil e dispondo apenas do seu salário para sobreviver. Wiedemann, com idade de 40 anos, exercia a função de caixa, trabalhando no Brasil durante 20 anos, dos quais 15 em Maruim. Entretanto, afirmava considerar boa a vida das mulheres no país: “Nós, mulheres, (...) temos vida boa aqui, pois nossos maridos gostariam de conservar-nos numa moldura”.
A família Shcramm sofreu um duro golpe em Maruim, no ano de 1863, com a morte de Adolphine, falecida em onze de abril daquele ano, por haver contraído cólera. Luterana, Adolphine não teve direito a ser sepultada na Igreja Matriz nem no cemitério, como era o hábito de enterramento em relação às pessoas da elite, no período. O espaço destinado a sua sepultura foi uma área de terra na propriedade da família Schramm.
Na década de 70 do século XIX uma outra importante família alemã se instalou em Sergipe: os Löeser. O comerciante Karl Löeser fixou-se em Maruim como gerente da Casa A. Schramm & Co. Casado com uma alemã, Alma, deixou uma prole de três filhos: Walter, Emy e Alice. No início do século XX, Karl transferiu-se para Aracaju e já era à época, ele mesmo comerciante autonomamente estabelecido com negócios de importação e exportação de açúcar, bacalhau, louça e ferragens. No período da I Guerra Mundial enfrentou dificuldades, em função das quais a sua mulher retornou à Europa. Sem que ela regressasse, Karl casou novamente no Brasil, formando uma nova família, com três filhas e um filho.

AGRÔNOMOS X DOCENTES: MEMÓRIAS DAS DISPUTAS PELO PODER NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO II

OS PROCESSOS SUCESSÓRIOS


Desde que a instituição foi criada, em 1924, os processos sucessórios na sua direção foram freqüentemente traumáticos. Aquele que se afastava da direção não poupava críticas a quem lhe sucedia. Da mesma maneira, nos momentos em que um diretor assumia o cargo era comum dirigir acusações ao seu antecessor. Domingos Rodrigues, que assumiu a direção do Patronato de Menores Francisco de Sá, em 13 de dezembro de 1927, carregou nas tintas do seu Relatório: “Achando-se na época em que recebi do meu antecessor, o patronato em completa desorganização, era impossível dentro de tão pequeno lapso de tempo, já ter conseguido obra perfeita, com resultados surpreendentes e maravilhosos” .
Invariavelmente, a mudança do diretor ocorria quando o grupo que exercia o poder era substituído por um novo bloco partidário. “Em 1954 o diretor era João Fernandes de Sousa. Entrou Dr. Leandro [Maciel] para o governo e tirou João Fernandes. Ele era ligado ao pessoal do PSD. O grupo de Dr. Leandro não se afinava com João Fernandes” . Os dois diretores que sucederam a João Fernandes de Sousa eram intimamente ligados à UDN: Wanderley do Prado Barreto e Tennyson Araújo Aragão. A UDN somente perdeu o controle da indicação dos diretores da instituição depois que João Seixas Dória venceu as eleições, em 07 de outubro de 1962.
Nos últimos anos da ditadura militar as relações de poder faziam com que se explicitassem cada vez mais as divergências no interior da Escola. O ponto máximo de tensão ocorreu quando da substituição do diretor Laonte Gama da Silva, depois de haver este exercido a função durante 16 anos . Após a sua saída, a instituição passaria por mudanças administrativas radicais, posto que pela primeira vez seria gerenciada por um técnico sem formação superior. Os engenheiros agrônomos estariam, a partir de então, alijados do exercício do poder na Escola. Não mais tiveram condições de indicar o diretor. Além do mais, incomodava a alguns deles o fato de o novo diretor ser um técnico com formação em nível médio: Francisco Gonçalves . Laonte Gama da Silva revela o grau de tensão produzido por tais conflitos, ao acusar o seu sucessor de haver desmontado a indústria de laticínios que ele deixou funcionando na Escola e formando técnicos:


Deixei a escola com tudo isso pronto, com técnicos em laticínios e formando técnicos em laticínios. Sergipe já transformava-se em uma bacia leiteira. Francisco Teco desmanchou a industria de laticínios, trocou todo o equipamento por dois cavalos, dois garanhões e mandou [o equipamento] para Bananeiras na Paraíba .


Ele atribui a um ex-governador sergipano a responsabilidade pelas alterações na administração da Escola:


nós saímos da Escola por uma exigência do governador Augusto Franco . O Senhor de Engenho e o processo de puxa-saquismo. O secretário geral do MEC foi ao Ministro Jarbas Passarinho e pediu para que não me demitisse, o diretor geral do Ensino Agrícola foi a ele e pediu para que não me demitisse. A resposta do ministro: é para atender o governador. Dos três senadores de Sergipe, dois queriam a substituição: Passos Porto e Lourival Baptista. [Um] era contra: Gilvan [Rocha] .


Vários professores da Escola confirmam a interpretação feita por Laonte Gama . Da mesma maneira, ele também fez um julgamento do processo de escolha do seu substituto:


Francisco levava toda semana para a casa de Dr. Augusto um fardo de tomate, de quiabo . Para a casa de seu Arnaldo [Garcez, ex-governador de Sergipe]. Para a casa de Manoel [Conde Sobral, importante liderança política do período da ditadura militar em Sergipe]. E eles puseram Francisco, sem preparo nenhum .


Este mesmo processo é relatado por outros professores que atuavam na Escola naquela oportunidade. “Chiquinho [Francisco Gonçalves] com amizade com a família de Augusto Franco ficou cavando para ser diretor da Escola. Ninguém nunca acreditou. Ele conseguiu. Chegou a nomeação” . Contudo, mesmo concordando com as avaliações feitas por Laonte Gama a respeito do processo da sua demissão e substituição por Francisco Gonçalves, muitas pessoas consideram que ela carrega nas tintas ao afirmar que saiu em face de problemas políticos, por entenderam que nunca, na história da instituição fora distinto esse tipo de processo, inclusive quando da nomeação do próprio Laonte Gama:


Laonte passou o seu período como se fosse um período de ditadura. Ele não passou quatro anos nem foi eleito. Politicamente Dr. Leandro [Maciel, líder político da UDN] caiu. Tiraram Wanderley [do Prado Barreto]. Foi politicamente que ele entrou ali. Laonte foi morar na casa grande, que era uma casa muito boa, muito equipada e aí ele se fez dono da escola. (...) Embora ele tenha criado o Conselho de Professores, a palavra final era dele .


Entretanto, há professores que avaliam com muito entusiasmo os dezesseis anos durante os quais Laonte Gama dirigiu a instituição. Para Emanoel Franco, ele qualificou o quadro de professores e “foi um grande diretor” .
Já Francisco Gonçalves era tido pelos alunos como um dirigente que não sabia exercer adequadamente a autoridade que lhe era conferida pelo cargo. “Ele não era um diretor que sabia se impor. Ele era influenciado pelo professor Mário, um advogado que manipulava muito as coisas na direção da escola” . Ademais, as suas iniciativas gerencias eram tidas como atabalhoadas:


Francisco fazia as coisas muito doidas. O trator estava no campo, a gente tinha acertado com o tratorista para arar essa área para plantar milho. Quando chegava na área não encontrava o trator e perguntava pelo homem. [Alguém] dizia que o diretor tirou para ir para o campo .


Laonte Gama da Silva revelou toda a sua mágoa para com o processo, principalmente considerando o fato de que pela primeira vez a Escola passava a ser administrada por um técnico agrícola com formação em nível médio e não por um engenheiro agrônomo, como vinha ocorrendo desde 1924:


Eu pedi para sair da AEASE . Existe uma tradição dessa Escola. Desde que essa Escola passou a ser ensino. [O cargo de diretor] só foi ocupado por engenheiro agrônomo, nunca por um técnico agrícola. Põe um engenheiro agrônomo. A AEASE não tomou conhecimento .


A exoneração de Laonte Gama da Silva do cargo de diretor da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão era esperada desde muitos anos . Ao longo dos dezesseis anos nos quais exerceu a função, vários grupos e líderes da política de Sergipe fizeram pressão para substituí-lo. Dentre outros problemas de natureza política apontados no comportamento do diretor, estava o fato de ser este notoriamente ligado ao Movimento Democrático Brasileiro – MDB , partido que fazia oposição ao governo ditatorial. Em várias ocasiões, além da acusação de oposicionista Laonte Gama recebeu a pecha de simpatizante da causa comunista, como nas eleições de 1974, quando o provecto senador Leandro Maciel perdeu a sua cadeira para o médico João Gilvan Rocha e “aproveitou a oportunidade para informar que eram comunistas o bispo de Propriá, o chefe do distrito da Superintendência do Vale do São Francisco e o diretor de uma escola agrícola federal” .
Quanto ao processo de escolha do diretor da Escola através de eleições diretas envolvendo docentes, discentes e os servidores técnico-administrativos, Laonte assevera ser este um processo visto por ele com restrições: “culmina com essa menina diretora, que não sabe o que é ensino agrícola” . Na sua opinião somente os engenheiros agrônomos possuem os requisitos técnicos necessários à gestão da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão.
Essa questão, porém, é polêmica no interior do corpo docente da Escola, mesmo entre pessoas que estão muito próximas. A professora Gilda Vasconcelos Gama da Silva considera a experiência da eleição direta para diretor muito ruim, entendendo que se estabelece uma relação de troca de favores que prejudica o funcionamento da atividade fim. Depois que se inaugurou este processo eleitoral, “o próprio Ministério da Educação criou mais de quarenta funções gratificadas” .
O ex-diretor Tennyson Aragão considera que o atual processo de escolha dos gestores da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão “é uma palhaçada. O diretor tem que ser escolhido pela autoridade do Ministério a quem ele vai ficar subordinado. Isso está superado” .
No início do século XXI, o discurso sobre as relações de poder no interior da Escola buscou valorizar padrões de gerenciamento tidos como democráticos e definir os elementos necessários à sua implementação. “A consolidação de uma gestão escolar de cunho democrático-participativo requer competências cognitivas e afetivas, respaldadas na internalização de valores, hábitos, atitudes e conhecimentos” .
Mesmo não concordando com o novo método de escolha dos dirigentes da instituição, Laonte Gama da Silva tende a discordar de um entendimento muito difundo dentre os profissionais da área segundo o qual o atual processo de eleições diretas para diretor seria o grande responsável pelo que boa parte dos entrevistados para este estudo foi unânime em apontar: aquilo que consideram a decadência da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão. Considerando a Escola decadente, ele atribui o fato não apenas ao processo eleitoral interno, mas diz que na verdade o atual modelo brasileiro de formação de técnicos agrícolas está esgotado. “Esse modelo já faliu” . Crê que a decadência da Escola tanto pode ser resultante do modelo brasileiro de ensino médio, do modelo de ensino agrícola, quanto a fatores internos da própria administração e do pessoal da instituição. Sustenta sua crítica aos fatores internos da Escola, exemplificando:


Foi imperdoável a ausência da Escola quando o governador João Alves lançou o projeto Platô de Neópolis. Ela tinha que gritar, estar junto da Secretaria da Agricultura. A Escola tem que participar do projeto. Um agricultor para irrigação é um agricultor especializado .


Aliás, o tema da decadência se repetiu várias vezes ao longo da história da instituição escolar:


Esta Escola é um estabelecimento de tradição pelos bons e relevantes serviços que vem prestando a toda coletividade e não pode nem deve parar. Sua curva deve ser sempre ascendente e nunca como agora, estacionária ou mesmo descendente. Mas, é isto mesmo; as instituições assim como as pessoas estão sujeitas aos altos e baixos da sorte, mas, aquelas que conseguem sobreviver às intempéries do destino voltam à plenitude do seu antigo progresso. Não somos derrotistas nem desfalecemos diante da rudeza das lides diárias. Prevemos para este Educandário um futuro promissor devido às suas grandes possibilidades que um dia serão despertadas pelo toque mágico dos idealistas que dirigem os destinos da nossa Pátria. E, quer estejamos nós ou outros na direção dos seus trabalhos, esta Escola emergirá vitoriosa desta tremenda crise que ora lhe vem assolando .


Outro ex-diretor da escola que a considera decadente é o professor Tennyson Aragão: “As poucas vezes que eu vou lá eu fico triste de ver a escola, como ela está. O auditório não existe mais. E, para fazer aquele auditório não foi fácil. Foi um trabalho meu e do João Fernandes” . Para ele a decadência se deve ao despreparo administrativo de alguns dos diretores que passaram pela escola.
Com a idéia da decadência concordam também alguns dos seus ex-alunos. José Ireno da Silva que freqüentou a instituição durante a década de 1980 atribui o processo de decadência ao que considera o afrouxamento das normas disciplinares . Além disso, ele considera também a mudança do perfil do mercado de trabalho, entendendo que a profissão de técnico agrícola perdeu importância .
Para Alfredo Cabral, a decadência existe e é de natureza técnico-pedagógica:


A Escola piorou. A Escola hoje compra farinha. A Escola tem uma área de 2.500 tarefas a quinze quilômetros de Aracaju, tem rio, tem mão-de-obra, tem tratorista, tem trator, tem o próprio aluno também. A Escola hoje não planta mandioca. Começaram a plantar esse ano. Tem muito tempo que não planta, desde a época de Alberto, na primeira gestão. Alberto não chegou a plantar arroz. Acho que o último arroz que foi plantado foi quando eu fui diretor, em 89. O arroz não planta. Horta, produz um pouquinho. Aviário é como eu falei para você, ficou dois anos parado. O aperto na educação pública é geral, mas nunca faltou dinheiro. Qual foi o órgão [público] que você viu fechar por falta de dinheiro nesse país? Nunca, tem dinheiro. Tem pouco, mal aplicado. Alberto mesmo, na primeira gestão, pintou o prédio da administração, se não me engano, quatro vezes. Aquilo ali ficava um brinco. Mas, se você fosse lá pra trás, para o aviário, não estava bom. Então é uma questão administrativa. Se você entra lá e é professor de Educação Física e quer investir em esporte, você vai investir em esporte. Quadra, isso, aquilo, tudo vai ficar bonitinho. Mas, vá olhar o campo. Eu acho que aquela Escola é uma Escola agrícola. (...) É [necessário] mudar o currículo. A gente se preocupa. O aluno basta aprender matemática que já vai para o campo. Não. É regra de três, é? Saber quantos quilos de adubo vai dar em cada tarefa? Não. O que eu acho que está decadente é isso. A Escola já foi ponto de referência. Nós já produzimos pinto de um dia. Tinha suíno lá que era ponto de referencia, que era como se fosse um fomento. O cara ia comprar para criar, porque o porco era bom. Hoje é o contrário. O porco faz vergonha. Tem vaca lá que produz um litro, dois litros de leite. Isso é uma cabra. Mas é o que nós temos. Que caiu, caiu e muito, não caiu pouco não.


Com a tese da decadência também concorda a professora Umbelina Aciole de Bonfim , atribuindo a responsabilidade aos gestores que passaram pela instituição: “A Escola está decadente porque ela passou por mãos não habilitadas para [gerenciar] o ensino de nível médio” . Nessa pluralidade de diagnósticos, a opinião do professor Emanoel Franco é a de que a decadência da Escola se deve ao fato de a instituição não haver optado pelo ensino superior . O atual diretor da Escola, Alberto Aciole Bonfim diverge completamente da idéia de que a instituição estaria decadente.


A escola de São Cristóvão é uma escola que sempre proporcionou aos jovens do hinterland sergipano oportunidade de crescimento. Se você diz que ela está em decadência, eu pergunto: por que? Ela está fechando ou vai fechar algum curso? A Escola está oferecendo três cursos, (...) aceita alunos internos, aceita alunos semi-internos e aceita alunos externos. [Aceita] alunos que já terminaram [o ensino médio], não conseguiram [aprovação] no [concurso] vestibular [para o ensino superior] e têm oportunidade de fazer um curso de agroindústria, de agricultura ou de zootecnia. Por que eu vou dizer que a Escola regrediu? Em hipótese alguma. A Escola está a cada dia crescendo e precisa de pessoas que apóiem esse desenvolvimento .


O processo de escolha do diretor da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão pela comunidade escolar começou na década de 1980, de modo tumultuado e sob muita polêmica. O governo federal definira que as escolas agrotécnicas poderiam fazer um processo de eleição paritária entre os três segmentos da comunidade escolar para a composição de uma lista sêxtupla de nomes . A lista seria encaminhada ao Ministério da Educação que escolheria um dos seis. Ao final da gestão do professor Francisco Gonçalves, em 1988, foi feita a primeira eleição na escola . O processo foi bastante tumultuado, desde o início. Seis candidatos disputaram o pleito. Dentre estes, os nomes mais fortes eram os de Alberto Aciole Bonfim, Manoel Luiz e Alfredo Cabral. O debate eleitoral ficou polarizado entre os professores da chamada área técnica e os professores licenciados. O grupo da chamada área técnica recolocou o velho debate segundo o qual somente os agrônomos e veterinários teriam condições de dirigir a instituição. O professor Alfredo Cabral, veterinário por formação, encarnou a liderança que representava este pensamento. Manoel Luiz, professor de Educação Física, era a expressão dos professores licenciados, enquanto Alberto Aciole Bonfim, professor licenciado de Biologia e vice-diretor durante a gestão de Francisco Gonçalves, era visto como o candidato que possuía experiência nos setores técnico-administrativos.
Alfredo Cabral, apesar de haver representado no processo eleitoral o grupo da área técnica, entende que esta condição não é requisito indispensável para dirigir a Escola:


Não é que a escola tenha obrigação [de ser dirigida por alguém] da área técnica. Pode ser de qualquer área, porque na realidade ali o que o [diretor] assume é uma administração. Ele tem que se cercar de pessoas boas de cada setor. Eu senti que fui bem aceito pelos estudantes que tinham direito a voto, uma boa parte dos funcionários e professores. Como eu sou da parte técnica passava mais tempo no setor do que na sala dos professores. A grande maioria dos professores era do ensino médio, não era da área técnica .


Muitas pessoas, à época estranharam o fato de Alfredo Cabral haver registrado a sua candidatura e pregar, no interior da Escola, durante a campanha que era contra a realização do pleito.


Eu fui contra a eleição, porque a eleição era para colocar seis nomes [em uma lista a ser enviada ao MEC]. Na época só tinham seis nomes [registrados como candidatos]. Então não precisava fazer eleição. Só era botar os nomes [na lista] e mandar. Agora, se tivesse sete, aí sim, porque um tinha que ser descartado. Eu fui contra [a realização da eleição]. Teve um debate, Alberto propôs que quem saísse em primeiro lugar era o diretor. Eu fui contra perante todo mundo. Eu disse que era contra porque ele não havia se afastado, continuou no cargo. Ele era vice-diretor. Quando entra numa eleição, queira ou não queira, começa aquela ajuda de voto. O funcionário precisa se ausentar por três dias, aí se libera; o aluno, não suspende, vai ajeitando... E eu não. Eu só fazia a parte pior, que era pegar aluno, botar aluno para trabalhar e cobrar dele, o trabalho e o ensino, o estudo. Eu fui contra perante todo mundo .


O nome mais votado da lista foi o do professor Alberto Aciole Bonfim. Alfredo Franco Cabral saiu da eleição em segundo lugar. O terceiro foi Manoel Luiz. O primeiro foi nomeado para dirigir a escola . Porém, três dias após a sua nomeação, a portaria de designação foi tornada sem efeito, em face de gestões realizadas junto ao ministro da educação pelo senador Lourival Baptista e pelo governador Antônio Carlos Valadares . Com isto, foi publicada uma nova portaria designando para o exercício da função o professor Alfredo Franco Cabral . Alberto Aciole Bonfim recorreu à Justiça Federal contra o ato do ministro e um ano depois foi reintegrado no cargo .
Sgundo o professor Alberto Aciole Bonfim, o episódio não deixou seqüelas na vida da Escola:


Eu consegui, junto com o professor Alfredo, um relacionamento tal que servisse de exemplo aos demais que fazem a instituição. Não poderia continuar sendo uma instituição polarizada - metade briga por Alberto e metade briga por Alfredo ou outra pessoa. Nós achamos por bem que tínhamos de servir de exemplo eu e ele. Tanto é que, oito anos depois, quando eu coloquei meu nome novamente para ser candidato a diretor da Escola, eu tive a satisfação de receber o voto dele como membro do Conselho me apoiando para a direção da Escola .


O professor Alfredo Cabral concorda apenas em parte com a interpretação de Alberto Aciole Bonfim:


Toda eleição sempre fica [ressentimento]. Na hora que vai para a lista e qualquer um pode ser nomeado começa a ter briga., começa a criar aquele ambiente ruim. A Escola ficou dividida em dois grupos: o grupo de Alberto e o grupo de Alfredo. Sempre me dei com ele. Agora, tanto eu como ele, gato e cachorro, era um olhando para a cara do outro meio desconfiado. Quando eu perdi entreguei. Eu olho a escola com uma visão e ele olha de outra. Ele passou esses quatro anos, não teve problemas. Não tenho ressentimento contra ninguém, nem contra ele .


O açodamento da relação entre ambos teria se acentuado em função de uma decisão do diretor Alberto Aciole Bonfim que pareceu injusta à ótica de Alfredo Cabral:


Alberto me deixou chocado. Ele me tirou de aviário e me colocou em bovino. Tudo bem, eu sou veterinário e não posso reclamar. Mas, eu acho que o aluno de aviário perdeu e o aluno de bovino perdeu. Eu já estava com uns dez a doze anos em avicultura e o professor de bovino também já estava com seus dez a doze anos. O de lá tinha que ficar perguntando e eu tinha que ficar perguntando a ele. Eu, em sala de aula, disse isso e ele disse isso. Que íamos nos esforçar ao máximo para não prejudicar eles [os alunos]. Fiz apostilas. Fiz veterinária, não sou burro. Estudei e busquei relembrar. Mas eu também tenho meus pés no chão. Não vou dizer que sou o melhor veterinário de avicultura do país, porque se eu fosse não estaria aqui, eu estaria dando palestras, estaria nos Estados Unidos. A gente tem que sentir até onde pode ir. Foi o meu caso de bovino. Eu disse que ia dar aula, fiz apostila, fiz tudo. Agora, na hora que chegou detalhe técnico, inseminação artificial... Isso tinha quinze a dezoito anos que eu tinha visto na universidade. Aí eu pedia para meu colega me dar um curso. Mas foi dito ao aluno. Não estou dizendo que Alberto está me botando de castigo não, mas eu achei que foi. Um ano depois ele me mudou. Ele achou que especialista em avicultura tem que ficar em avicultura. Isso aí foi uma coisa que não precisava .


Problemas sucessórios idênticos voltariam a ocorrer quatro anos depois, no final da gestão de Alberto Aciole Bonfim. No processo eleitoral que se instalou Alfredo Cabral concorreu novamente. Foi o primeiro da lista, mas não conseguiu a nomeação. “A professora Cláudia teve dez por cento dos votos e acabou ganhando porque é indicação do ministro. Não interessa voto mesmo” . A gestão da professora Cláudia foi bastante tumultuada do ponto de vista administrativo, levando a Escola a mergulhar numa grave crise.


Ela fazia coisas absurdas. Era questão de administração mesmo. Ela não tinha condição de administrar uma casa Começou a faltar ração. Para você ter uma idéia, eu passei dois anos lá dando aula teórica porque não tinha um pinto. E isso é ruim para mim porque o aluno depois sai falando não só da escola. De mim também e eu não posso fazer outra coisa. Era só reclamar a eles, era só aula teórica. Você imagine: um ano dando aula teórica. Agora, falar de vacinação, que é no olho, uma gotinha. Não tinha verba não tinha nada. Se reclamava dizia que não tinha dinheiro. Então era uma questão administrativa. Dizia que ela resolvesse .


No final da década de 1990, as disputas haviam se acirrado a tal ponto que a Escola estava mergulhada em uma situação muito difícil. Em alguns anos, foi oferecida uma quantidade de vagas maior que o número de candidatos à matrícula nos seus cursos.

domingo, 20 de dezembro de 2009

AGRÔNOMOS X DOCENTES: MEMÓRIAS DAS DISPUTAS PELO PODER NA ESCOLA AGROTÉCNICA FEDERAL DE SÃO CRISTÓVÃO

Na década de 1920, havia uma consciência disseminada no país acerca da competência do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio para a gestão dos patronatos agrícolas. Assim, mesmo sendo uma instituição estadual, o Patronato Agrícola São Maurício foi dirigido por um técnico indicado por aquele ministério. Era, então, administrado pelo seu diretor e por um Conselho de Assistência Privada .O fato de o Patronato ser gerido por um Conselho de Assistência Privada objetivava envolver a sociedade civil com as responsabilidades de regeneração da infância pobre, uma vez que esse tipo de atividade era encarado pelo governo como


obra de solidariedade humana (...). A solução do problema, ao lado do socorro dos poderes públicos à infância desvalida, impõe-se, paralelamente, o socorro particular, entreajudando-se, ambos, nesse mister sacro-santo de previdência econômica e criminal (...). Dessa colaboração somente felizes resultados há a esperar-se, porquanto de uma conjugação de esforços, diligências e cuidados recíprocos, mais copiosas serão as messes e mais dilatado o alcance dos benefícios previstos .


Nomeados pelo presidente do Estado para um mandato de três anos, os membros do Conselho tinham como competências


I – Agenciar recursos, donativos e somas que garantam o perfeito funcionamento do Patronato, no caso de lhe vir a faltar o auxilio da administração publica.
II – Representar ao Presidente do Estado contra a má direção do estabelecimento e qualquer fato ou circunstancia que possa afetar à moralidade e bom nome dos respectivos funcionários.
III – Facilitar a colocação do menor em fazendas particulares, uma vez concluído o aprendizado no Patronato.
IV – instituir obras de fundo moral e educativo com anuência da diretoria e de modo que não perturbem os trabalhos regulamentares.
V – Fundar uma caixa Econômica pelos Menores Abandonados, cujos recursos serão aplicados em adquirir para os alunos que concluirem o curso os instrumentos agrários ou oficinais mais necessários .


Não obstante buscar a colaboração da sociedade civil através de instituições como o Conselho de Assistência Privada, o governo estadual lamentava as dificuldades existentes para manter a instituição funcionando, afirmando que o setor privado e o governo federal não tinham a necessária sensibilidade para esse tipo de investimento:


Instituição de nobres fins humano-sociais, continua, sem outros recursos que os do Estado, a satisfazer os intuitos de sua criação, o que mais facilmente seria conseguido, se lhe não falecessem o concurso dos particulares e o auxílio da União. Acorressem, como era de esperar, esses subsídios, e teríamos a grande satisfação de anunciar completo o numero de internados, fixado em 200. Infelizmente, os recursos isolados do Estado assim não o permitiram. Atualmente recebem ali instrução moral, cívica, intelectual e profissional, 80 menores arrancados ao vicio e as más companhias, os quais amanhã, serão cidadãos úteis á Pátria .


Do ponto de vista acadêmico, contudo, todo o ensino da agricultura e a orientação geral dos serviços de campo ficavam a cargo do diretor do Centro Agrícola Epitácio Pessoa.
Desde o princípio, o cargo de diretor da instituição era um posto de representatividade política bastante evidente, que conferia prestígio ao seu ocupante. Com a federalização do Patronato, em 1934, e a sua transformação em Aprendizado, este poder ficou mais visível. Principalmente depois que, em 1940, uma legislação federal formalizou a criação da função gratificada de Diretor de Aprendizado Agrícola .
Quando, em 1964, a denominação mudou para Colégio Agrícola Benjamin Constant, o poder na Escola ainda era completamente exercido pelos engenheiros agrônomos e o delegado estadual do Ministério da Agricultura tinha uma influência significativa no processo político de escolha do diretor . O controle da rede federal de escolas estava subordinado ao Ministério da Agricultura, que mantinha, com sede no Rio de Janeiro, a Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário – SEAV. A Delegacia do Ministério da Agricultura no Estado funcionava com um colegiado integrado pelo Delegado , pelo diretor de defesa animal, pelo diretor de defesa vegetal e pelo diretor do Colégio Agrícola.
Com a transferência do ensino agrícola federal do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação , os engenheiros agrônomos passariam a influenciar menos a instituição. A transferência gerou algumas polêmicas, mas há vozes que participaram do processo e que continuam a considerar que o MEC era um espaço mais adequado para a definição da política própria ao ensino agrícola que o Ministério da Agricultura:


A Escola foi melhor [quando] subordinada ao MEC. Quando ela passou para o MEC ela melhorou. Foi devagarzinho, mas o MEC tinha melhores cabeças. O MEC era mais preparado para administrar a Escola que o Ministério da Agricultura. O pessoal do MEC tinha melhor formação .


Contudo, outros professores que também participaram do mesmo processo divergem deste ponto de vista: “Houve discussões acaloradas, na época de Laonte Gama. Vieram algumas pessoas do Ministério da Educação aqui para dar cursos. Aquilo não era curso, aquilo era doutrinação” . O entendimento dos que preferiam o Colégio Agrícola Benjamin Constant sob o controle do Ministério da Agricultura era o de que a filosofia dominante no Ministério da Educação comprometia a qualidade do ensino oferecido pela escola. Nesse conflito se revelam as posições em disputa e as divergências existentes entre a orientação pedagógica dos agrônomos e a proposta que o MEC procurava implementar.


[Vieram} duas mocinhas [técnicas do MEC]. [Uma delas] perguntou: “o que é Educação?” Depois que todo mundo verteu seus pontos de vista, aí [ela] disse: “Tá todo mundo errado. A educação é tudo isso e mais alguma coisa”. Quer dizer, foi uma lição formidável. Eram muito inteligentes, mas por debaixo disso existia um veneno, eu considero um veneno. Elas vieram para aqui, com o objetivo de modificar qualitativamente o ensino. E eu disse na época: mas isso não é crime professora, nós estamos indo à frente. Elas não souberam me dizer quais as razões que elas estavam pedindo para você ensinar menos. O professor Tenisson [Aragão] se levantou inflamado: “Não há Ministério aqui que me faça... que me obrigue dar menos do que eu dou, eu vou dar... vou dizer um negócio a vocês eu vou dar mais”. O professor Giovane levantou muito mansamente e disse: “as funções algébricas, matemáticas, o meu conteúdo, é o conteúdo que a gente aprendia no ginásio antigo. Quer dizer se vocês querem minimizar isso...” .
Este era, de um modo geral o ponto de vista de engenheiros agrônomos e médicos veterinários. Segundo o professor Emanoel Franco, a área à qual a instituição se destina é agrícola. A área educacional não seria, na sua opinião, capaz de gerenciar um colégio agrícola. O debate, na verdade, revela uma posição extremamente preconceituosa de alguns profissionais que atuavam no Colégio quanto à necessidade de incorporar padrões pedagógicos ao seu trabalho, o que não fora visto como necessidade profissional docente enquanto a instituição esteve subordinada ao controle do Ministério da Agricultura. O professor Cândido Augusto Sampaio Pereira, expressa esse entendimento, ao comentar o que é Pedagogia:


a parte pedagógica começa a descobrir, (...) tenta descobrir chifre em cabeça de eqüino. (...) Maria foi para o mato e pegou a lenha. Esse tema vai ser inovado da seguinte forma: uma jovem chamada Maria saiu da cidade e foi para as campinas para pegar gravetos. Encontrou um toco e trouxe para queimar. Bom! São coisas assim fantasiosas... Eu lembro, por exemplo, do Compêndio que eu comprei, Eficiência e Eficácia. Parece que é de Tubino. Um trabalho dele que varou o Brasil inteiro (...) Eu li umas duas vezes. O que é que esse rapaz quer falar? Depois eu descobri (...) que eficiência é uma coisa e eficácia é outra. Mas é uma coisa tão boba, tão insignificante, tão irrelevante, que melhor seria que você não escrevesse, Eficiência e Eficácia .


Os professores que fazem a defesa do ensino agrícola sob controle do Ministério da Educação e não do Ministério da Agricultura, algumas vezes exageram as suas críticas quanto a esta última instituição além de defenderam com ardor a necessidade do refinamento das práticas pedagógicas no ensino agrícola.


As escolas agrotécnicas têm que estar no MEC porque elas têm de ser escolas técnicas e não agrícolas. Elas precisam oferecer ensino básico, ensino médio e ensino superior, a depender da condição de formação dos seus professores. A Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão poderá ser amanhã um novo Centro Federal de Formação Tecnológica do Estado de Sergipe .


Já sob o controle do Ministério da Educação, o Colégio Agrícola Benjamin Constant viveu o processo de implantação da reforma do ensino da lei 5.692/1971, que determinou a mudança do sistema do ensino colegial agrícola para o ensino profissionalizante. A fim de tomar as providências necessárias à adaptação do ensino agrícola à nova lei, o MEC criou um grupo de trabalho do qual participaram professores de todo o país, estando o colégio do Quissamã representado pelos professores Tennyson Aragão e Abelardo Monteiro.
Não obstante as dificuldades para dispor de um orçamento de investimentos, a instituição escolar conseguiu se transformar em uma importante expressão do ensino agrícola brasileiro na década de 1970. “Nós lideramos o ensino agrícola” . O Colégio buscou recursos para investimentos junto à Sudene e teve condições de adquirir ônibus para transportar professores e estudantes. “Os meus funcionários e professores andavam em cima de um caminhão velho” . Também foram adquiridos tratores para as práticas do ensino de técnicas agrícolas com recursos da mesma Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, que financiou ainda a construção de praça e ginásio de esportes. Da mesma maneira foram reformados e ampliados os dormitórios e alojamentos do Colégio.
O prestígio da instituição cresceu em todo o Estado de Sergipe, durante as décadas de 1960 e 1970. Em 1963, o então vice-diretor da Escola Agrotécnica Benjamin Constant, Tennyson Araújo Aragão, assumiu o cargo de diretor, até julho de 1964, quando então requereu licença para exercer o cargo de secretário da agricultura e produção do Estado de Sergipe . Durante a década de 1970, o diretor do Colégio Agrícola Benjamin Constant ocupava uma das cadeiras do Conselho Estadual de Educação . Da mesma maneira, tinha assento no Conselho de Administração da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Sergipe – Emater-SE. Também junto ao Ministério da Educação havia um grande prestígio institucional, a ponto de o diretor do Colégio haver sido designado pelo MEC para supervisionar as escolas agrícolas da região Nordeste. Esse prestígio e as posições políticas, todavia, foram conquistados a partir de iniciativas do próprio Colégio. Mesmo porque, o relacionamento com as instituições da política agrícola do Estado de Sergipe nem sempre era linear. Muitas dessas instituições se mantinham distanciadas do Colégio, mas este as provocava mostrando as contribuições que poderia oferecer. De certo modo, faltava a alguns dirigentes do setor agrícola a necessária clareza quanto a possibilidades de contribuição que potencialmente o estabelecimento de ensino possuía. Contudo, algumas autoridades estaduais demonstravam muita sensibilidade em relação ao trabalho do Colégio . De um modo geral, os que passaram pela sua direção costumam destacar as dificuldades de atuação no setor primário, em Sergipe. Mesmo assim, segundo o professor Laonte Gama da Silva, era importante levar os alunos da escola, principalmente os da terceira série, para as palestras sobre agronomia que eram promovidas em Aracaju.
Funcionando com os recursos do orçamento dos Ministérios da Agricultura e da Educação, a instituição raramente podia contar com o auxílio financeiro dos governos do Estado e de municípios que se beneficiavam diretamente da sua ação, como São Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro e Aracaju. Algumas vezes, o governo estadual utilizava a estrutura do Departamento de Estradas de Rodagem – DER para dar manutenção à estrada de acesso à escola. Contudo a unidade escolar agrícola sempre colaborava com instituições públicas, principalmente


a Inspetoria de Fomento Agrícola e a Defesa Sanitária Animal, vindo em seguida outras, inclusive, também, algumas prefeituras. Nossas máquinas não se limitam a cumprir apenas a finalidade de treinamento de alunos nem a trabalhar somente em nossa área. Extendemos nossas atividades a diversas zonas, mormente aos municípios mais próximos, por se tornar mais conveniente a fiscalização e o transporte do material. Até fora das fronteiras de Sergipe tem chegado a colaboração (...), que, não mede sacrifícios para elevar cada vez mais o nome da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário. Assim é que, por determinação do Sr. Superintendente, cedemos por empréstimo um trator para a Escola de Satuba, em Alagoas. .


Algumas vezes, o Colégio conseguia firmar parcerias com o setor empresarial agrícola e com o comércio . Outras vezes esses entendimentos consistiam em encaminhar representantes para participar de eventos promovidos pelo setor privado . Porém, na década de 1940, quando a instituição ainda se denominava Aprendizado Agrícola Benjamin Constant, dentre os cursos oferecidos estava o Curso de Adaptação, aberto a toda a comunidade, que funcionava promovendo uma aproximação entre o Aprendizado e o setor agrícola, principalmente os proprietários rurais .
Na Escola Agrotécnica Benjamin Constant esse tipo de curso era oferecido principalmente através do Centro de Treinamento de Tratoristas. O Centro fora criado a partir do ano de 1952 em várias escolas da rede mantida pelo Ministério da Agricultura. O argumento utilizado pelo governo federal era o de que “Procurou-se ampliar o programa de preparação de pessoal para atender às exigências da mecanização da lavoura” . O centro oferecia o treinamento a trabalhadores rurais que, após 60 dias de aula recebiam um certificado de capacitação que os habilitava ao exercício da atividade de tratorista .
O fato é que foi comum, durante toda a história da instituição, a utilização dos equipamentos públicos para a prestação de serviços a particulares . É comum, nas memórias dos ex-diretores da escola que alguns deles acusem os seus ex-colegas de uso privado dos bens públicos da instituição. Contudo, quando se referem ao seu próprio período administrativo dizem nunca ter existido tal fato .


Os alunos deste centro logo após receberem os imprescindíveis conhecimentos teóricos e, desde que não haja serviços a executar em nossas áreas, fazem estágio de treinamento nas fazendas próximas a fim de adquirirem a necessária habilidade e o domínio completo da profissão de tratoristas. Com este método eles tomam contato direto com a realidade e experimentam toda sorte de dificuldades e imprevistos que surgem com a rotina da labuta cotidiana. Também os fazendeiros são grandemente beneficiados porque embora seus campos de cultura sirvam de treinamento, o trabalho realizado compensa satisfatoriamente. A base da cooperação é feita da seguinte maneira: o lavrador cede suas áreas de cultura, fornece alojamento e alimentação para os alunos e instrutores, assim como também todo o combustível e lubrificante necessário. O nosso Centro entra com os tratores e respectivos implementos, veículos para o transporte dos mesmos, alunos e seus instrutores. (...) atendemos a um número grande de lavradores (...) concentrando-se nossas atividades nos seguintes municípios: São Cristóvão, Divina Pastora, Estância, Aracaju, Itaporanga d’Ajuda, Ribeirópolis, Laranjeiras e Pacatuba. Nestes trabalhos estão incluídos destocamento, aradura, gradagem, semeadura, capina, transporte de material agrícola etc .


A prática não só foi corrente como valorada de modo positivo pela maioria dos professores da Escola.


Os alunos faziam estágios nas propriedades. A Escola mandava seus alunos e seus técnicos para as propriedades, E era bom. Mandava equipamentos e instrumentos agrícolas. Era bom para a Escola e era bom para os proprietários. Eles tinham um técnico que estava se especializando dentro da fazenda dele e ele ainda se beneficiava do material da Escola .


O entendimento era o de que a Escola se relacionava com os proprietários rurais a fim de melhorar os padrões da agricultura e da pecuária do Estado através da colaboração técnica às propriedades rurais .
A prestação de serviços foi outra estratégia também muito utilizada pelo Colégio para angariar prestígio junto à população. Na década de 1950 o Centro Social Graccho Cardoso promovia palestras semanais destinadas a comunidades próximas à escola. Com a participação de professores e alunos, as palestras, sempre noturnas incluíam também a exibição de um filme . No final da década de 1960, o então diretor Laonte Gama da Silva considerava importante aproximar a escola das pessoas em geral.


Eu abri loja de venda aqui dentro. De ovos, de feira. Aqui dentro da Escola eu tinha isso, tinha sexta-feira verde. No Siqueira Campos, na [rua] Carlos Corrêa. Eu tinha sexta-feira verde na Escola, o povo daqui de Aracaju ia para lá comprar. Tinha carne de porco, tinha isso. Eu, quando deixei a Escola eu deixei dois reprodutores .


Este mesmo entendimento tiveram os dirigentes da instituição que o antecederam e os que exerceram a função em períodos posteriores. Qualquer atividade que fizesse a Escola aparecer junto à opinião pública como um local onde os estudantes recebiam uma boa formação e aprendiam a aprender era importante para expor objetos e gêneros alimentícios ali produzidos .
Dentre as estratégias de legitimação do poder da escola também se incluía a necessidade de apresentar resultados junto ao Ministério da Educação. Por isto, sempre que possível, era necessário mostrar às autoridades federais responsáveis pelo ensino agrícola e aos docentes e dirigentes de outras escolas o trabalho realizado na instituição. Com este objetivo, todos os espaços que se pudessem ocupar eram válidos. Da mesma maneira que era fundamental aprender com a experiência das demais instituições . Todo e qualquer evento que se realizasse no país servia para a organização de exposições com objetos produzidos nas escolas agrotécnicas .
Periodicamente, a partir da década de 1960, o Colégio Agrícola Benjamin Constant organizava eventos que contribuíam para com a formação cívica e atraíam para o seu espaço familiares dos alunos e autoridades, além de docentes e dirigentes de outras congêneres .
Tudo isto, porém, não impediu que houvesse uma tentativa de estadualização do Colégio, em 1978. O secretário da educação do Estado de Sergipe, Everaldo Aragão Prado, mandou fazer uma avaliação da escola com o objetivo de incorpora-la à rede de escolas públicas estaduais. A iniciativa era estimulada pelo próprio Ministério da Educação, porque havia o entendimento de que o ensino de segundo grau deveria ser, completamente, responsabilidade dos governos estaduais, ficando a União federal apenas com a responsabilidade pelo ensino superior. Esta era, então, a interpretação que tanto o Governo de Sergipe quanto o Governo Federal faziam dos dispositivos da lei 5.692/71, que regulava a matéria. Era o mesmo processo que vinha sendo observado, com avanços e recuos, em colégios agrícolas mantidos pelo Ministério da Educação em outros Estados. A situação avançou mais no Estado do Rio Grande do Norte, onde a escola federal foi transferida para o governo estadual, encerrando suas atividades alguns anos depois. “Não existe mais escola agrícola federal no Rio Grande do Norte” . Em Sergipe, Laonte Gama da Silva afirma haver liderado um movimento contrário à estadualização do Colégio Benjamin Constant. “Eu pressionei por A + B [alegando que] com os recursos que a secretaria da Educação tinha” seria impossível manter o ensino agrícola funcionando. “Eu era inclusive do Conselho Estadual de Educação. Eu movimentei o Conselho Estadual de Educação e provei por A + B que não tinha condições de fazer aquilo porque é melhor não formar o mau profissional.” . O bispo de Própria, D. José Brandão de Castro, buscou mediar o conflito, colocando à disposição do Governo do Estado de Sergipe, para o Colégio Nossa Senhora das Graças, naquele município, afirmando que a Diocese concordava com a sua estadualização e transformação em escola agrotécnica.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

AS INSTITUIÇÕES CIENTÍFICAS

A organização das redes de instituições científicas foi uma novidade que começou a surgir no século XVII em muitos Estados europeus. Era o momento das demonstrações públicas dos experimentos científicos que despertavam a curiosidade de todos. Blaise Pascal subiu e desceu um morro várias vezes seguido por uma multidão para medir a pressão atmosférica e demonstrar a utilidade de uma nova invenção, o barômetro. A curiosidade se manifestava também através da leitura e fazia com que os cientistas começassem a escrever usando uma linguagem mais acessível ao público em geral. Em muitos lugares da Inglaterra era normal que ao final do dia as pessoas se reunissem em torno do professor, do farmacêutico ou de outro sábio da comunidade para que estes lessem textos científicos como se fosse a leitura de uma novela. Nesse processo começaram a surgir leituras científicas especiais dirigidas a grupos específicos, como damas, nobres, cavalheiros rurais e artesãos, dentre outros. Na França era prática corrente a realização de aulas públicas sobre temas científicos.
Ainda no século XVII, a Inglaterra e a França começaram a institucionalizar o processo de produção do conhecimento científico, através da organização da Royal Society e da Academie des Sciences. A base era o modelo de Isaac Newton, que ajudava a definir o que era e o que não deveria ser ciência. Em 1831, os britânicos criaram a Britsh Association for the Advance of Science. Os ingleses estavam preocupados com o emprego da ciência para a incorporação de tecnologias que aperfeiçoassem a agricultura, a indústria têxtil, o uso do carvão como fonte de energia, principalmente com a criação da máquina a vapor, a mineração, o transporte e a produção de ferro e aço.
No século XIX, a Alemanha tomara a dianteira desse processo e conseguira organizar uma estrutura de instituições universitárias de pesquisa e formação de recursos humanos. Outras nações buscaram também estabelecer uma organização nesse sentido, muitas delas procurando orientar-se pelo modelo alemão, a exemplo dos Estados Unidos da América. Com o objetivo de estimular o atendimento das necessidades de crescimento econômico, um dos modelos que encantou o mundo foi o das estações agrícolas experimentais, financiadas pelo Estado e dirigidas pelos produtores e por suas associações.
Durante a segunda metade do século XIX, os cientistas renunciaram definitivamente à denominação de filósofos naturais e as ciências ganharam um grau cada vez maior de especialização. À medida que se especializavam, os cientistas iam fechando os seus campos e impedindo que curiosos tivessem acesso a esses saberes. Deste modo, eles se transformavam nas únicas pessoas autorizadas a falar sobre a área. A necessidade de produzir a memória sobre esses campos fez com que, muitas vezes, tais cientistas se transmutassem em historiadores para mostrar o percurso glorioso do seu campo e produzir exemplos que servissem às novas gerações de pesquisadores.
A ciência do século XX continuou surpreendendo a todos. A teoria da relatividade, a teoria quântica, a engenharia genética, a robótica, os experimentos científicos realizados durante as duas grandes guerras, os horrores da Química, as plantas transgênicas, a participação da ciência em desastres ambientais. Mas, também, o conhecimento da ciência moderna estava absolutamente entranhado na vida cotidiana dos indivíduos. Desconhecer a atividade científica seria inviabilizar a sobrevivência da espécie.
Segundo Ana Maria Alfonso Goldfarb, alguém que resolvesse fechar a boca para tudo que tem química, com certeza iria morrer de fome. Já que a química está presente em todo o universo, o que inclui os produtos naturais. Quem estaria preparado para fazer a crítica à ciência?
O campo de estudos sobre a história da ciência e da tecnologia em Sergipe ainda é incipiente. Existem alguns esforços encetados pela Universidade Federal de Sergipe, pela Universidade Tiradentes e pelo Instituto de Tecnologia e Pesquisas de Sergipe. Vale também registrar o esforço feito pela extinta Fundação de Amparo à Pesquisa de Sergipe – FAP/SE, estimulando algumas iniciativas. Na mesma direção, assiste-se a uma preocupação crescente no país com a memória da ciência e da tecnologia, revelando esforços para a recuperação de informações sobre o passado.
A rede de ensino superior em Sergipe é muito recente. As atividades desse grau de ensino começaram em 1923, mas foram interrompidas e somente a partir de 1948, com a criação da Escola de Química e da Faculdade de Ciências Econômicas de Sergipe, elas se tornaram perenes.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

BACHELARD, KOYRÉ E KUHN

A grande mudança de rumo na História da Ciência durante o século XX começou a acontecer a partir da década de 30. Durante um Congresso de História da Ciência que aconteceu em Londres, no ano de 1931, um grupo de soviéticos questionou, a partir de pressupostos da teoria marxista, a História da Ciência que se produzia afirmando que a produção científica é fruto dos condicionantes sociais de um determinado tempo. As teses soviéticas entusiasmaram alguns jovens intelectuais ingleses historiadores da ciência que produziram alguns trabalhos assumindo a nova linha. Ficaram conhecidos como externalistas, por estarem preocupados em entender de que modo os fatores externos ao saber científico influem nas conclusões deste. A denominação se opunha ao internalismo, corrente da qual participavam os historiadores da ciência que consideravam apenas os elementos endógenos.
A esta contribuição se somou um outro conjunto de reflexões produzidas também na década de 30 pelo intelectual francês Gaston Bachelard. Ele questionou o evolucionismo do qual se revestia a História da Ciência, inclusive o dos externalistas, para negar a idéia segundo a qual o conhecimento científico progredia permanentemente, por aprimoramento. Para ele, não bastava apenas aprimorar o conhecimento velho para produzir novos conhecimentos. Muitas vezes era necessário romper com modelos estabelecidos, com formas de pensar consagradas para produzir outros saberes científicos. O conhecimento é produzido muitas vezes de forma descontínua.
Ao modo de refletir sobre História da Ciência proposto por Gaston Bachelard se somaram as reflexões do professor russo Alexandre Koyré. Vivendo e trabalhando em Paris, ele assumiu a tese da descontinuidade, compreendendo que em cada momento, em cada grupo social, os cientistas adotam diferentes pressupostos teóricos, atendem diferentes necessidades e formulam distintas hipóteses para produzir conhecimento.
O discurso a respeito da descontinuidade, no entanto, foi radicalizado na década de 60 por Thomas Kuhn. Usando a noção de paradigma, ele esclareceu que a descontinuidade ocorre como necessidade social. Paradigma seria o conjunto de regras, normas, crenças e teorias que dá direção à ciência numa determinada época, num dado grupo social. Em torno de cada paradigma o conhecimento científico se acumularia, sofrendo aprimoramentos. Porém, a partir de um determinado ponto, o paradigma não mais conseguiria explicar alguns fenômenos e entraria em crise.
A crise de um paradigma, portanto, pode ocasionar uma revolução na ciência. Durante o período de crise vários paradigmas buscam substituir o anterior. Ocorre que os novos paradigmas ainda não incorporaram completamente os valores cientificamente aceitos e por isto sofrem modificações até que estejam completamente legitimados. Segundo Ana Maria Alfonso Goldfarb, a partir da lógica de Kuhn, a escolha de um entre os vários novos paradigmas, não é tão certa e linear como os livros didáticos ou os compêndios de História da Ciência tinham feito crer. Como todos são incompletos, a escolha da comunidade vai ocorrer por motivos estéticos, emocionais, e até políticos, ou seja, razões nada lógicas entram na escolha do novo paradigma. Quando a crise passa essa espécie de irracionalidade é esquecida. E a história, olhando para o novo paradigma já estabelecido, que parece explicar mais e melhor os fenômenos, acaba por colaborar com a impressão geral de que o conhecimento científico se acumula de uma forma continuada e natural.
Kuhn esclarece ainda que o novo paradigma não explica de modo mais adequado os fenômenos anteriores. Na verdade, não apenas o paradigma é substituído, mas também a compreensão dominante a respeito da ciência e dos seus fenômenos, os valores e as teorias vigentes. Enfim, todo o quadro conceitual, todas as práticas.
O estudo da história da ciência, das instituições científicas e da difusão das suas práticas formativas e de pesquisa pode ser uma importante ferramenta para o desenvolvimento de cada um dos campos específicos, possibilitando o debate sobre os itinerários teórico-metodológicos e a reflexão sobre as formas de transmissão da cultura científica e tecnológica. A tarefa contemporânea para os que se dedicam a pesquisar História da Ciência reivindica a superação dos limites que estão postos pelos debates em torno desse campo.
Este esforço situa o historiador no âmbito da chamada Nova História das Ciências - NHC, cujas redefinições rejeitam todas as possibilidades de engessamento do conhecimento histórico.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

BREVE NOTÍCIA SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER, O PÚBLICO, O PRIVADO E O ENSINO AGRÍCOLA EM SERGIPE III

O PÚBLICO E O PRIVADO

Sergipe foi um dos Estados da região Nordeste onde a Sudene teve atuação significativa. Os indicadores dessa atuação ficaram no Estado. O Colégio Agrícola Benjamin Constant buscou recursos para investimentos junto à Sudene e teve condições de adquirir ônibus para transportar professores e estudantes. “Os meus funcionários e professores andavam em cima de um caminhão velho” . Também foram adquiridos tratores para as práticas do ensino de técnicas agrícolas com recursos da mesma Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, que financiou ainda a construção de praça e ginásio de esportes. Da mesma maneira foram reformados e ampliados os dormitórios e alojamentos do Colégio.
O prestígio da instituição cresceu em todo o Estado de Sergipe durante as décadas de 1960 e 1970. Em 1963, o então vice-diretor da Escola Agrotécnica Benjamin Constant, Tennyson Araújo Aragão, assumiu o cargo de diretor, até julho de 1964, quando então requereu licença para exercer o cargo de secretário da agricultura e produção do Estado de Sergipe . Durante a década de 1970, o diretor do Colégio Agrícola Benjamin Constant ocupava uma das cadeiras do Conselho Estadual de Educação . Da mesma maneira, tinha assento no Conselho de Administração da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Sergipe – EMATER-SE. Também junto ao Ministério da Educação era grande o prestígio institucional, a ponto de o diretor do Colégio haver sido designado pelo MEC para supervisionar as escolas agrícolas da região Nordeste. O prestígio que a instituição angariou foi também possibilitado pelo fato de ser o Colégio um dos cinco escolhidos pelo Ministério da Educação e Cultura como colégio-modelo destinado a receber parte dos recursos obtidos pelo governo brasileiro por empréstimo junto ao Banco Mundial .
Esse prestígio e as posições políticas, todavia, foram conquistados a partir de iniciativas do próprio Colégio. Mesmo porque, o relacionamento com as instituições da política agrícola do Estado de Sergipe nem sempre era linear. Muitas dessas instituições se mantinham distanciadas do Colégio, mas este as provocava mostrando as contribuições que poderia oferecer. De certo modo, faltava a alguns dirigentes do setor agrícola a necessária clareza quanto a possibilidades de contribuição que potencialmente o estabelecimento de ensino possuía. Contudo, algumas autoridades estaduais demonstravam muita sensibilidade em relação ao trabalho do Colégio . Mas, de um modo geral, os que passaram pela sua direção preferem destacar as dificuldades de atuação no setor primário em Sergipe. Também para muitos professores, a Escola vivia isolada .
Contudo, há vozes que discordam desse tipo de avaliação: “Quando o Ministério da Agricultura promovia curso, seminário, convidava a escola, sempre ouvia a escola. Havia um entrosamento perfeito da escola com os órgãos do Ministério da Agricultura, Secretaria da Agricultura, Embrapa, Codevasf e Banco do Nordeste” . Esse tipo de depoimento, por certo, é desautorizador da visão segundo a qual a instituição viveria distanciada das entidades responsáveis pela política agrícola em Sergipe .
Funcionando com os recursos do orçamento dos Ministérios da Agricultura e da Educação, a instituição, não obstante os apoios recebidos, raramente podia contar com o auxílio financeiro dos governos do Estado e de municípios que se beneficiavam diretamente da sua ação, como São Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro e Aracaju. Contudo, o município de São Cristóvão tinha inclusive um representante no Conselho da instituição. Algumas vezes, o governo estadual utilizava a estrutura do Departamento de Estradas de Rodagem – DER para dar manutenção à estrada de acesso à escola. Porém, a unidade escolar agrícola sempre colaborava com instituições públicas, principalmente


a Inspetoria de Fomento Agrícola e a Defesa Sanitária Animal, vindo em seguida outras, inclusive, também, algumas prefeituras. Nossas máquinas não se limitam a cumprir apenas a finalidade de treinamento de alunos nem a trabalhar somente em nossa área. Extendemos nossas atividades a diversas zonas, mormente aos municípios mais próximos, por se tornar mais conveniente a fiscalização e o transporte do material. Até fora das fronteiras de Sergipe tem chegado a colaboração (...), que, não mede sacrifícios para elevar cada vez mais o nome da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário. Assim é que, por determinação do Sr. Superintendente, cedemos por empréstimo um trator para a Escola de Satuba, em Alagoas. .


Segundo o professor Laonte Gama da Silva era importante levar os alunos da escola, principalmente os da terceira série, para as palestras sobre agronomia que eram promovidas em Aracaju. Algumas vezes, o Colégio conseguia firmar parcerias com o setor empresarial agrícola e com o comércio . Outras vezes esses entendimentos consistiam em encaminhar representantes para participar de eventos promovidos pelo setor privado . Porém, na década de 1940, quando a instituição ainda se denominava Aprendizado Agrícola Benjamin Constant, dentre os cursos oferecidos estava o Curso de Adaptação, aberto a toda a comunidade, que funcionava promovendo uma aproximação entre o Aprendizado e o setor agrícola, principalmente os proprietários rurais .
Na Escola Agrotécnica Banjamin Constant esse tipo de curso era oferecido principalmente através do Centro de Treinamento de Tratoristas. O Centro fora criado a partir do ano de 1952 em várias escolas da rede mantida pelo Ministério da Agricultura. O argumento utilizado pelo governo federal era o de que “procurou-se ampliar o programa de preparação de pessoal para atender às exigências da mecanização da lavoura” . O centro oferecia o treinamento a trabalhadores rurais que, após 60 dias de aula, recebiam um certificado de capacitação que os habilitava ao exercício da atividade de tratorista .
O fato é que foi comum, durante toda a história da instituição, a utilização dos equipamentos públicos para a prestação de serviços a particulares . É comum, nas memórias dos ex-diretores da escola que alguns deles acusem os seus ex-colegas de uso privado dos bens públicos da instituição. Mas, quando se referem ao seu próprio período administrativo dizem nunca ter existido tal fato . Na melhor das hipóteses admitem ser uma ação pedagógica imprescindível ao processo formativo ao qual os alunos estão submetidos:


Os alunos deste centro logo após receberem os imprescindíveis conhecimentos teóricos e, desde que não haja serviços a executar em nossas áreas, fazem estágio de treinamento nas fazendas próximas a fim de adquirirem a necessária habilidade e o domínio completo da profissão de tratoristas. Com este método eles tomam contato direto com a realidade e experimentam toda sorte de dificuldades e imprevistos que surgem com a rotina da labuta cotidiana. Também os fazendeiros são grandemente beneficiados porque embora seus campos de cultura sirvam de treinamento, o trabalho realizado compensa satisfatoriamente. A base da cooperação é feita da seguinte maneira: o lavrador cede suas áreas de cultura, fornece alojamento e alimentação para os alunos e instrutores, assim como também todo o combustível e lubrificante necessário. O nosso Centro entra com os tratores e respectivos implementos, veículos para o transporte dos mesmos, alunos e seus instrutores. (...) atendemos a um número grande de lavradores (...) concentrando-se nossas atividades nos seguintes municípios: São Cristóvão, Divina Pastora, Estância, Aracaju, Itaporanga d’Ajuda, Ribeirópolis, Laranjeiras e Pacatuba. Nestes trabalhos estão incluídos destocamento, aradura, gradagem, semeadura, capina, transporte de material agrícola etc .


A prática não só foi corrente como valorada de modo positivo pela maioria dos professores da Escola.

Os alunos faziam estágios nas propriedades. A Escola mandava seus alunos e seus técnicos para as propriedades, e era bom. Mandava equipamentos e instrumentos agrícolas. Era bom para a Escola e era bom para os proprietários. Eles tinham um técnico que estava se especializando dentro da fazenda dele e ele ainda se beneficiava do material da Escola .


O entendimento era o de que a Escola se relacionava com os proprietários rurais a fim de melhorar os padrões da agricultura e da pecuária do Estado através da colaboração técnica a esses estabelecimentos .
O discurso dos ex-diretores, de um modo geral, é revelador de um período no qual os interesses públicos eram administrados com um forte caráter privatista. Esse comportamento foi recorrente nas práticas de todos os diretores, de Juvenal Canário, em 1924, a Francisco Gonçalves, em 1988. As relações entre os setores público e privado na história da instituição servem para demonstrar que muitas vezes a lei é ineficaz. Contudo, mesmo quando a eficácia da lei falta à sua retórica de igualdade, “ainda assim a noção de domínio da lei é, em si, um bem incondicional” . A própria natureza do Estado brasileiro levava a se confundir público e privado. Os próprios dispositivos legais estabelecidos após a entrada em vigor da Constituição de 1988 é que possibilitaram uma relação mais equilibrada entre o público e o privado, estabelecendo limites mais rígidos aos mecanismos através dos quais o poder é exercido.

domingo, 13 de dezembro de 2009

BREVE NOTÍCIA SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER, O PÚBLICO, O PRIVADO E O ENSINO AGRÍCOLA EM SERGIPE II

TÉCNICOS X PROFESSORES
Desde o princípio, o cargo de diretor da instituição era um posto de representatividade política bastante evidente, que conferia prestígio ao seu ocupante. Com a regulamentação do ensino agrícola no Brasil, em outubro de 1910, a legislação definiu que o “diretor dessas instituições deveria ser um engenheiro-agrônomo” . Com a federalização do Patronato, em 1934, e a sua transformação em Aprendizado, o poder dos diretores ficou mais visível. Principalmente depois que, em 1940, uma legislação federal formalizou a criação da função gratificada de Diretor de Aprendizado Agrícola .
Quando, em 1964, a denominação mudou para Colégio Agrícola Benjamin Constant o poder na Escola ainda era completamente exercido pelos engenheiros agrônomos e o delegado estadual do Ministério da Agricultura tinha uma influência significativa no processo político de escolha do diretor . O controle da rede federal de escolas estava subordinado ao Ministério da Agricultura, que mantinha, com sede no Rio de Janeiro, a Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário – SEAV. A Delegacia do Ministério da Agricultura no Estado funcionava com um colegiado integrado pelo Delegado , pelo diretor de defesa animal, pelo diretor de defesa vegetal e pelo diretor do Colégio Agrícola.
A tendência de transferir o ensino agrícola do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação já estava presente na Lei Orgânica do Ensino Agrícola, de 1946. A distância entre o ensino agrícola e os demais tipos de ensino médio era uma questão em debate no país. Segundo aquela legislação, “o ensino agrícola ficava dependente do Ministério da Agricultura, embora mantivesse uma organização semelhante a dos demais tipos de ensino médio” . Situações como essa demonstram que a lei não pode, portanto, simplesmente ser entendida como uma superestrutura que reflete diretamente a. Ela atende, de modo efetivo, a necessidades socialmente postas. As suas regras “penetram em todos os níveis da sociedade, efetuam definições verticais e horizontais dos direitos e status dos homens e contribuem para a autodefinição ou senso de identidade dos homens” .
Com a transferência do ensino agrícola federal do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação os engenheiros agrônomos passariam a influenciar menos a instituição. Aqui, outra vez, a lei não foi apenas imposta de cima sobre os homens, mas um meio através do qual os conflitos sociais foram regulados. O Decreto nº. 60.731, de 19 de maio de 1967, promoveu a transferência da Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário para o Ministério da Educação e Cultura, atribuindo-lhe a denominação de Diretoria do Ensino Agrícola – DEA até 1970, quando foi criado o Departamento de Ensino Médio – DEM . O Departamento gerenciou o ensino agrícola até o ano de 1973, quando então foi implantada a Coordenação Nacional do Ensino Agrícola – COAGRI .
A transferência do ensino agrícola para o Ministério da Educação gerou algumas polêmicas, mas há vozes que participaram do processo e que continuam a considerar que o MEC era um espaço mais adequado para a definição da política própria ao ensino agrícola que o Ministério da Agricultura. “A Escola foi melhor [quando] subordinada ao MEC. Quando ela passou para o MEC ela melhorou. Foi devagarzinho, mas o MEC tinha melhores cabeças. O MEC era mais preparado para administrar a Escola que o Ministério da Agricultura. O pessoal do MEC tinha melhor formação” .
Idêntica é a avaliação do professor Matias Paulino da Silva: “quem faz educação é o Ministério da Educação. A atividade primordial do MEC é gerir o negócio da educação. O Ministério da Agricultura é mais o setor de produção, enfim da agricultura e pecuária. Depois tinha que ser o MEC. A evolução era pouca nas escolas” . Alguns professores concordam com esta interpretação, porém fazem uma ressalva: “Era necessário que a escola estivesse no Ministério da Educação, que é o lugar de educar. Mas, a finalidade dessa transferência não foi cumprida, porque o Ministério da Agricultura deixou de manter os investimentos e o custeio referentes a atividades agrícolas. O Ministério da Educação deveria assumir as responsabilidades financeiras pela formação geral, porém o Ministério da Agricultura deveria ser economicamente responsável pela parte da produção agrícola” .
Contudo, outros professores que também participaram do mesmo processo divergem deste ponto de vista: “Houve discussões acaloradas, na época de Laonte Gama. Vieram algumas pessoas do Ministério da Educação aqui para dar cursos. Aquilo não era curso, aquilo era doutrinação” . O entendimento dos que preferiam o Colégio Agrícola Benjamin Constant sob o controle do Ministério da Agricultura era o de que a filosofia dominante no Ministério da Educação comprometia a qualidade do ensino oferecido pela escola. Nesse conflito se revelam as posições em disputa e as divergências existentes entre a orientação pedagógica dos agrônomos e a proposta que o MEC procurava implementar:


[Vieram} duas mocinhas [técnicas do MEC]. [Uma delas] perguntou: “o que é Educação?” Depois que todo mundo verteu seus pontos de vista, aí [ela] disse: “Tá todo mundo errado. A educação é tudo isso e mais alguma coisa”. Quer dizer, foi uma lição formidável. Eram muito inteligentes, mas por debaixo disso existia um veneno, eu considero um veneno. Elas vieram para aqui com o objetivo de modificar qualitativamente o ensino. E eu disse na época: mas isso não é crime professora, nós estamos indo à frente. Elas não souberam me dizer quais as razões que elas estavam pedindo para você ensinar menos. O professor Tenisson [Aragão] se levantou inflamado: “Não há Ministério aqui que me faça... que me obrigue dar menos do que eu dou, eu vou dar... vou dizer um negócio a vocês eu vou dar mais”. O professor Giovane levantou muito mansamente e disse: “as funções algébricas, matemáticas, o meu conteúdo, é o conteúdo que a gente aprendia no ginásio antigo. Quer dizer se vocês querem minimizar isso...” .


Este era, de um modo geral o ponto de vista de engenheiros agrônomos e médicos veterinários. Segundo o professor Emanoel Franco, a área à qual a instituição se destina é agrícola. A área educacional não seria capaz de gerenciar um colégio agrícola. O debate, na verdade, revela uma posição extremamente preconceituosa de alguns profissionais que atuavam no Colégio quanto a necessidade de incorporar padrões pedagógicos ao seu trabalho, o que não fora visto como necessidade profissional docente enquanto a instituição esteve subordinada ao controle do Ministério da Agricultura. O professor Cândido Augusto Sampaio Pereira, expressa esse entendimento, ao comentar o que é Pedagogia:


a parte pedagógica começa a descobrir, (...) tenta descobrir chifre em cabeça de eqüino. (...) Maria foi para o mato e pegou a lenha. Esse tema vai ser inovado da seguinte forma: uma jovem chamada Maria saiu da cidade e foi para as campinas para pegar gravetos. Encontrou um toco e trouxe para queimar. Bom! São coisas assim fantasiosas... Eu lembro, por exemplo, do Compêndio que eu comprei, Eficiência e Eficácia. Parece que é de Tubino. Um trabalho dele que varou o Brasil inteiro (...) Eu li umas duas vezes. O que é que esse rapaz quer falar? Depois eu descobri (...) que eficiência é uma coisa e eficácia é outra. Mas é uma coisa tão boba, tão insignificante, tão irrelevante, que melhor seria que você não escrevesse, Eficiência e Eficácia .


Os professores que fazem a defesa do ensino agrícola sob controle do Ministério da Educação, e não do Ministério da Agricultura, algumas vezes exageram nas suas críticas quanto a esta última instituição além de defenderam com ardor a necessidade do refinamento das práticas pedagógicas no ensino agrícola.

As escolas agrotécnicas têm que estar no MEC porque elas têm de ser escolas técnicas e não agrícolas. Elas precisam oferecer ensino básico, ensino médio e ensino superior, a depender da condição de formação dos seus professores. A Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão poderá ser amanhã um novo Centro Federal de Formação Tecnológica do Estado de Sergipe .


As próprias relações entre os campos agrícola e educacional estão limitadas por essa legislação, que define os seus termos e determina as condições sob as quais a escola deve formar o profissional do setor agrícola. Subordinada ao Ministério da Educação, a Escola viveu um processo que acirrou e promoveu profundas alterações no processo de disputa de poder acadêmico entre as chamadas áreas técnica e acadêmica. Para a professora Cláudia Maria Lima Dantas, o pessoal da área técnica reclama “porque eles se sentiam os donos do ensino agrícola” .
Atualmente, os professores responsáveis pela formação geral têm maior influência no processo de tomada de decisão na Escola. “Os professores da área técnica têm outras atividades fora da Escola. Por isto, não se envolvem muito com as coisas, não discutem” . Essa é uma mudança radical nas relações de poder existentes entre os professores da Escola, principalmente quando se considera que até a década de 1980 existiam duas salas de professores na instituição: uma destinada aos professores da área técnica, bem instalada no edifício do pavilhão central e outra destinada aos docentes da chamada área acadêmica, que funcionava no pavilhão das salas de aula.
Já sob o controle do Ministério da Educação, o Colégio Agrícola Benjamin Constant viveu o processo de implantação da reforma do ensino da lei 5.692/1971, que determinou a mudança do sistema do ensino colegial agrícola para o ensino profissionalizante. A fim de tomar as providências necessárias à adaptação do ensino agrícola à nova lei, o MEC criou um grupo de trabalho do qual participaram professores de todo o país, estando o colégio do Quissamã representado pelos professores Tennyson Aragão e Abelardo Monteiro. Não obstante as dificuldades para dispor de um orçamento de investimentos, a instituição escolar conseguiu se transformar em uma importante expressão do ensino agrícola brasileiro na década de 1970. “Nós lideramos o ensino agrícola” .

BREVE NOTÍCIA SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER, O PÚBLICO, O PRIVADO E O ENSINO AGRÍCOLA EM SERGIPE

Na década de 20 do século passado, havia uma consciência disseminada no país acerca da competência do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio para a gestão dos patronatos agrícolas. Assim, mesmo sendo uma instituição estadual, o Patronato Agrícola São Maurício, em Sergipe, foi dirigido por Juvenal Canário, um técnico indicado por aquele ministério. O Patronato São Maurício foi criado em 1924 e oferecia curso de aprendizes e artífices a crianças e adolescentes com problemas de ajustamento social e emocional. Atualmente sob a denominação de Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, depois de mudar de nome nove vezes, o antigo Patronato é uma autarquia federal , vinculada à Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação , localizada na região leste do Estado de Sergipe, situada no quilômetro 96 da BR 101, Povoado Quissamã, Município de São Cristóvão, distante do centro urbano da capital aproximadamente 18 quilômetros. A Escola é o único estabelecimento escolar do Estado de Sergipe a oferecer cursos de nível médio para a formação de técnicos destinados ao setor primário da economia. A instituição adota, desde o ano de 1924, o regime de internato.
Quando da sua fundação, o Patronato era administrado pelo seu diretor e por um Conselho de Assistência Privada . O fato de o Patronato ser gerido por um Conselho de Assistência Privada objetivava envolver a sociedade civil com as responsabilidades de regeneração da infância pobre, uma vez que esse tipo de atividade era encarado pelo governo como


obra de solidariedade humana (...). A solução do problema, ao lado do socorro dos poderes públicos à infância desvalida, impõe-se, paralelamente, o socorro particular, entreajudando-se, ambos, nesse mister sacro-santo de previdência econômica e criminal (...). Dessa colaboração somente felizes resultados há a esperar-se, porquanto de uma conjugação de esforços, diligências e cuidados recíprocos, mais copiosas serão as messes e mais dilatado o alcance dos benefícios previstos .


Nomeados pelo presidente do Estado para um mandato de três anos, os membros do Conselho tinham como competências


I – Agenciar recursos, donativos e somas que garantam o perfeito funcionamento do Patronato, no caso de lhe vir a faltar o auxilio da administração publica.
II – Representar ao Presidente do Estado contra a má direção do estabelecimento e qualquer fato ou circunstancia que possa afetar à moralidade e bom nome dos respectivos funcionários.
III – Facilitar a colocação do menor em fazendas particulares, uma vez concluído o aprendizado no Patronato.
IV – instituir obras de fundo moral e educativo com anuência da diretoria e de modo que não perturbem os trabalhos regulamentares.
V – Fundar uma caixa Econômica pelos Menores Abandonados, cujos recursos serão aplicados em adquirir para os alunos que concluirem o curso os instrumentos agrários ou oficinais mais necessários .


Não obstante buscar a colaboração da sociedade civil através de instituições como o Conselho de Assistência Privada, o governo estadual lamentava as dificuldades existentes para manter a instituição funcionando e afirmava que o setor privado e o governo federal não tinham a necessária sensibilidade para esse tipo de investimento:


Instituição de nobres fins humano–sociais, continua, sem outros recursos que os do Estado, a satisfazer os intuitos de sua criação, o que mais facilmente seria conseguido, se lhe não falecessem o concurso dos particulares e o auxílio da União. Acorressem, como era de esperar, esses subsídios, e teríamos a grande satisfação de anunciar completo o numero de internados, fixado em 200. Infelizmente, os recursos isolados do Estado assim não o permitiram. Atualmente recebem ali instrução moral, cívica, intelectual e profissional, 80 menores arrancados ao vicio e as más companhias, os quais amanhã, serão cidadãos úteis á Pátria .


Vasculhar os registros documentais escritos e a memória dos indivíduos que passaram pela instituição em diferentes períodos da sua história revela os conflitos e demonstra que apesar das proclamadas boas intenções, a Escola é uma importante instância de poder, na qual os recursos públicos possibilitaram que se proporcionasse muitos benefícios privados.

sábado, 12 de dezembro de 2009

CANA, ESCRAVO E ALIMENTOS

Bittencourt Calasans, autor do primeiro livro sobre Agronomia produzido em Sergipe (O agricultor sergipano da cana de açúcar, 1869) via a escravidão como uma enfermidade prejudicial aos interesses da sociedade brasileira, uma contradição num país que se propunha civilizado, uma vez que violava os “princípios mais sagrados da religião, da moral, e do direito natural, constituindo sociedades cheias de perigos, para os senhores, de sofrimentos para os escravos, e dando em resultado um trabalho o mais caro de todos! (...) essa escravidão dizemos deve ser banida, com a devida circunspecção dentre nós” (p. 39).
Não apenas Bittencourt Calasans, mas também alguns outros proprietários de engenho mantinham esse tipo de posição em face do escravismo. Segundo Emanoel Franco (Viagens: uma semente plantada, 2005), um deles, Vicente Luiz de Freitas Barreto, proprietário dos engenhos Varzinha, São Luiz e São Vicente, em Laranjeiras, Massacará, em Maruim, e Limoeiro, em Santo Amaro, ao morrer, em junho de 1856, deixou em seu testamento a determinação de que os seus 150 escravos deveriam ser libertados, decisão que foi cumprida pela viúva (p. 222).
Além de produzir açúcar, a Província de Sergipe sempre foi também uma importante produtora de cereais. Nos próprios engenhos havia a necessidade de alimentar os escravos e as demais pessoas que ali viviam, o que fazia com que se reservasse uma determinada área de terra para o plantio de cereais e de mandioca. Fora dos engenhos e nas regiões da Província que não se dedicavam à produção açucareira era importante cultivar mandioca, feijão, milho e arroz. A principal região produtora de arroz em Sergipe era a do Baixo São Francisco. Nas lagoas inundadas anualmente pelas cheias do rio, os agricultores haviam aprendido a cultivar arroz. Segundo Maria da Glória Santana de Almeida (“Estrutura de produção: a crise de alimentos na província de Sergipe. 1855-1860”), era também importante para a vida econômica da Província a produção de fumo, ticum, mamona, coco, café, amendoim, algodão e uva (p. 21). Outra importante atividade rural em Sergipe era a pecuária de bovinos, ovinos, suínos, eqüinos e caprinos.
Não obstante o entusiasmo econômico existente na Província entre 1850 e 1855 com o bom andamento dos negócios, pesquisadores como a professora Maria da Glória Santana de Almeida indicam que do ponto de vista da tecnologia agrícola, Sergipe se ressentia da “falta de técnicas no tratamento do terreno e na semeadura e o esperdício espacial da propriedade”, reduzindo sensivelmente os terrenos dedicados propriamente ao plantio da cana (p. 19).
Toda essa atividade, entretanto, não era suficiente para impedir a existência de problemas quanto à produção e distribuição de alimentos em Sergipe, já que a cultura da cana era predominante nas áreas mais férteis. A população de Sergipe se alimentava fundamentalmente de farinha de mandioca, milho, arroz, feijão, carne fresca e carne salgada. Segundo José Edgar da Mota Freitas (Cartas de Maruim, 1991), ao descrever os hábitos alimentares em Maroim, na metade do século XIX, a alemã Adolphine Schramm elogiou o consumo de frutas e várias outras práticas de alimentação, vendo como ponto alto a ótima sopa de carne que tomava diariamente, além da carne cozida com molho picante, as verduras, o maxixe, o chuchu, a abóbora, a farinha de mandioca, a galinha ao molho pardo, o enrolado de carne, os bolinhos de carne, a salada de arenque, os bolinhos de peixe, a carne assada com feijão preto, o inhame, a salada de batata, a carne de carneiro e a carne de porco. Da mesma maneira, criticou a mania de comer feijoada, a dificuldade para encontrar leite, a escassez de ovos de galinha e os preços dos gêneros alimentícios, que considerava muito caros. Alguns desses alimentos eram importados. A charque vinha do Rio Grande do Sul e do Ceará. O bacalhau vinha da Europa.
Maria da Glória Santana de Almeida entende que “havia uma debilidade alimentar crônica da população sergipana que, facilmente, se transformava em catástrofe, quando se alterava a quantidade normal de alimentos levada aos mercados. A comprovação disso pode-se conseguir pelos sucessivos registros de epidemias que ceifaram muitas vidas. O estado de subnutrição facilitava a constante proliferação de doenças infecto-contagiosas como a varíola, a febre amarela, o tifo, corriqueiramente registradas nos relatórios da Saúde Pública” (p. 24).
Entre os anos de 1857 e 1859 Sergipe viveu uma grande crise de abastecimento que resultou em muitas mortes e no registro de saques a armazéns e casas comerciais.