domingo, 6 de fevereiro de 2011

ALEMANHA, FRANÇA, ESTADOS UNIDOS. A PEDAGOGIA DE SÍLVIO ROMERO DIANTE DO ESPELHO

ALEMANHA, FRANÇA, ESTADOS UNIDOS. A PEDAGOGIA DE SÍLVIO ROMERO DIANTE DO ESPELHO


Ao lado de Tobias Barreto, Sílvio Romero constituiu o núcleo do pensamento da chamada Escola do Recife . Ele também balizou o movimento que se consolidou na segunda metade do século XIX na Faculdade de Direito pernambucana, movimento articulador de um amplo debate livre de idéias no Brasil, e ajudou a abrir o pensamento brasileiro para correntes filosóficas que tinham pouca penetração no país.
A defesa de idéias materialistas cimentou o pensamento de Sílvio Romero e do grupo que com ele assumiu posições políticas anticlericais – uma espécie de “missionários” da ciência. A fase da vida brasileira que Romero ajudou a inaugurar tinha o espírito crítico como seiva. A visão de modernidade que buscou consolidar tinha como propósito a eliminação do que se afirmava à época ser o dogmatismo do passado, posto que fundado numa concepção metafísica de homem e de mundo. O objeto de tal crítica era fundamentalmente o domínio moral e religioso da Igreja ao qual se comparava o que ele via como as fórmulas políticas que as elites concebiam para exercer o domínio sobre a população brasileira. A única possibilidade de libertação estava no livre exercício das idéias.
Sílvio Romero faria dos estudos de Psicologia Social e da própria Sociologia a sua preocupação mais ardente. Do ponto de vista político, tinha uma percepção segundo a qual não seria possível estabelecer limites a um princípio que se identificava com a sua maneira de ser – a sua sede de justiça social, a sua faculdade de opinar sem restrições, a sua incontinência verbal. E iria, neste campo, até o limite das possibilidades da sua visão política ao considerar legítimo o direito de sublevação das massas.
Nos seus primeiros estudos culturalistas, Sílvio Romero realça o valor do papel dos negros e da mestiçagem brasileira das raças e das idéias. A posição defendida por Sílvio Romero mudou bastante durante todo o processo de propaganda republicana e, sob o ponto de vista da interpretação da cultura nacional brasileira, ultrapassou os limites do pensamento positivista.
Antônio Cândido aponta que desde cedo Sílvio Romero pareceu aos seus contemporâneos muito contraditório, muito injusto e recebeu a acusação de ser mais apto a fazer generalizações do que críticas. E traçou um perfil das contradições do polêmico pensador: “primeiro foi positivista e depois atacou desabridamente o positivismo; na política de Sergipe desancou um lado e depois se ligou a ele; considerou Luís Delfino um poetastro e, em seguida, um dos maiores poetas brasileiros; proclamou Capistrano de Abreu o maior sabedor de História do Brasil e, mais tarde, um medíocre catador de minúcias; era evolucionista agnóstico e afinal aderiu à Escola da Ciência Social, de raízes católicas, e assim por diante. Não é difícil mostrar como fazia e refazia as suas divisões de períodos, os seus catálogos de bons e maus escritores” . Antônio Cândido chama a atenção para algumas obsessões intelectuais que estiveram presentes ao longo da vida de Sílvio como a sua manifesta e incompreensível má vontade em face da obra de Machado de Assis. Sílvio Romero retrata com perfeição a imagem nervosa que o Brasil do seu tempo possuía.
Sílvio Romero dedicou-se ao longo da vida a construir uma crítica científica e objetiva que teve como base o espírito que fez expandir as ciências da natureza durante o século XIX. Ele pregava a luta contra as oligarquias, mas desconfiava profundamente da capacidade política do povo. Interessado e sem esconder suas simpatias pelo socialismo, Sílvio Romero via essa proposta como inviável para a sociedade brasileira e influenciou claramente posições bem distintas na cultura brasileira, como as de Otávio Brandão, Oliveira Viana, Mário de Andrade e Gilberto Freyre. Dentro do quadro das suas contradições, Romero construiu o seu “racismo” antropológico apontando para uma igualdade racial que deveria levar à universalização dos direitos e que desprezava as elites que tentavam se apresentar como sendo raça superior. Para ele a sociedade brasileira encontraria o seu “ethos” exatamente na equalização de todas as raças.
Suas análises são a expressão de uma visão teórica nova, fundada sobre a ciência e a filosofia do seu tempo. Na História da Literatura Brasileira – a sua obra mais importante –atenua a influência que o ambiente físico exerce sobre a configuração da sociedade brasileira, traz à discussão fatores biológicos e põe em primeiro plano os problemas de natureza social e psíquicos.
Republicano e partidário do federalismo, Sílvio foi, após a proclamação, um dos mais contundentes dentre os críticos do republicanismo brasileiro. Ele preferia o parlamentarismo ao presidencialismo adotado, como deixa bem claro no seu trabalho Realidade e Ilusões do Brasil. Parlamentarismo e presidencialismo e outros ensaios . Tendo defendido que a república unitária parlamentar devesse ser implantada através da intervenção dos militares, Sílvio Romero afirmava que temia a permanência destes no poder por muito tempo e não aceitava a ditadura republicana proposta pelo positivismo. No rol dos seus inúmeros equívocos há um outro que se soma à sua, já aqui citada, incapacidade de entender Machado de Assis: a forma como atacou a obra de Manoel Bonfim, sem entender a crítica que este fazia a teoria da desigualdade das raças e a busca que Bonfim empreendia das causas sociais do atraso dos povos latino-americanos.
Este texto remete, assim, a discussão sobre política educacional feita pelos culturalistas no Brasil do século XIX por entende-la como um importante instrumento para a reconstrução do quadro das idéias e da ação pedagógica nos anos 800.
Sílvio Romero buscou o caminho do magistério como alternativa profissional. Em 1875 prestou concurso para a cadeira de Filosofia no Colégio das Artes, anexo à Faculdade de Direito do Recife, então dirigida por Paula Batista. Anulado o concurso, a congregação convocou os cinco candidatos a novas provas, no ano seguinte. Em 1876 fez as provas do concurso outra vez, sendo classificado em segundo lugar. A cadeira coube ao candidato Antônio Luís de Melo Vieira. Sílvio Romero recorre ao Conde D’Eu, seu patrono junto à Princesa Isabel. No ano de 1880 Sílvio Romero submete-se a concurso para a cadeira de Filosofia no Imperial Colégio Pedro II. As provas foram anuladas. Fez novo concurso no mesmo ano, com mais sete candidatos, sendo classificado em primeiro lugar. O decreto imperial para a sua nomeação tem a data de 13 de maio. Atuou como professor do Colégio Pedro II durante 30 anos, aposentando-se em 1910. Também trabalhou como professor da cadeira de Filosofia na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Em 1913, por motivo de saúde, recusou o convite da Faculdade de Letras de Paris para ministrar um curso de etnografia brasileira.
Parte das reflexões que Sílvio Romero fez ao longo da sua vida teve como escopo a análise do ensino público no Brasil. Vários dos seus trabalhos que tiveram a educação como temática foram publicados na revista Lucros e perdas. A partir da sua cadeira no Colégio Pedro II, Sílvio Romero produziu uma série de reflexões acerca da educação brasileira do século XIX. Há vários indícios dessas reflexões nos arquivos do próprio Colégio Pedro II, a exemplo da monografia apresentada pelo professor Sílvio Romero durante o Congresso de Instrução Pública que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1883. É um texto que nos permite compreender as bases do debate pedagógico que se travava no Brasil, durante o século XIX, sob a influência da Kultur alemã. As teses centrais dessa monografia estão sintetizadas no texto “Notas sobre o ensino público” . À sua maneira, Romero lutava contra o que dizia ser a mentalidade que chamava de reacionária e retrógrada do ensino brasileiro. Nesse período, Sílvio Romero privilegiou os estudos em educação a partir das questões de filosofia e do ensino secundário. Fez críticas ao fato de a escola brasileira haver reduzido o ensino de filosofia a uma só matéria – o ensino da lógica – e defendeu ardorosamente o ensino de disciplinas como psicologia, metafísica, ética, ontologia e história da filosofia. Também durante o período em que trabalhou para o jornal Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, Sílvio Romero escreveu muitos artigos sobre o ensino público.

Um comentário:

  1. Começando a aventurar-me nesse mar de ideias a despeito de Sílvio Romero... muito prazeroso, excelente texto!!

    ResponderExcluir