terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

ALEMANHA, FRANÇA, ESTADOS UNIDOS. A PEDAGOGIA DE SÍLVIO ROMERO DIANTE DO ESPELHO - II

O trabalho “Notas sobre o ensino público” foi editado pela primeira vez em 1884. Naquele momento Sílvio estava engajadíssimo na campanha republicana, apesar das restrições que fazia aos positivistas. Em 1901 o texto ganhou uma outra edição, em uma coletânea que recebeu o título de Ensaios de Sociologia e Literatura . No momento da segunda edição, Sílvio Romero era um crítico da ação do governo presidencialista republicano e incorporou uma série de observações irônicas sobre a política educacional de Benjamin Constant e a respeito da política de aproximação do Brasil com os Estados Unidos da América.
A discussão que Sílvio Romero fez com suas “Notas sobre o ensino público” gravita em torno de sete temas básicos: o Estado nacional; ensino público X ensino privado; a liberdade de ensino; a influência estrangeira na educação brasileira; o ensino primário; o ensino secundário e o ensino superior. No seu entendimento, a consolidação do Estado nacional moderno requer uma expansão intelectual permanente da população. “A expansão intelectual é uma resultante da própria existência do agregado político e nacional” . Esse Estado que requer a expansão intelectual é o responsável pela unidade do espírito nacional, o que a seu ver justifica o caráter nacional da educação e do ensino que marcam a pedagogia do século XIX. Um ensino desse tipo precisaria ser fundado pelas aptidões étnicas da nação, embasado na realidade da vida, na sua história, na sua índole, nas suas aspirações fundamentais. Um ensino que fortaleça as qualidades nativas da raça, robusteça o gênio nacional e afirme a individualidade das pessoas, tendo como pano de fundo a preocupação nacionalista patriota, a consagração do que ele chamava de indigenismo digno. A relação Estado nacional/ensino, tal como a vê Sílvio Romero, é o que dá sentido a estima própria que todo indivíduo deve ter de si mesmo – interpreta -, o que para as nações se traduz como consciência do seu valor e confiança no seu destino. Por força desse tipo de relação, assim como o Estado tem responsabilidades como agente da promoção do progresso e assume tarefas na economia, deve destinar parte significativa do seu orçamento para zelar pela instrução pública. Dever que no caso do Estado nacional brasileiro teria que ser um encargo do poder central, se erguidos os moldes do figurino de Romero. O instrumento útil ao combate do caudilhismo localista, da mesma maneira que poderia utiliza-lo para sobrepujar o que o autor designava como sendo pretensões menores dos que não entendem a pátria-nação mais ampla e mais justa.
Essas e as outras concepções que defendia em educação, o próprio Romero revelava serem inspiradas na pedagogia e na teoria do Estado de origens alemã. Sua rejeição ao processo de aproximação do Brasil com os Estados Unidos era muito grande. Na sua opinião, somente o modelo da reforma educacional da Alemanha poderia ajudar a educação brasileira.
É fundamental observar que no contexto das reformas educacionais propostas por Sílvio Romero para o projeto do Estado Republicano brasileiro, o melhor caminho para o Brasil seria o da fundação de escolas, da organização mesmo de um sistema nacional de ensino, da intervenção em escolas particulares, da delimitação geral das matérias a serem obrigatoriamente estudadas por todos em todo o território nacional, na fiscalização dos exames finais.
A clareza de Sílvio Romero quanto ao Estado nacional, ao seu caráter e ao papel que a educação e o ensino devem exercer para servi-lo, levaram o seu raciocínio a antepor o ensino público ao ensino privado. O ensino público se põe como uma função racional do Estado, presa a questão geral da organização política e das condições sociais, como desdobramento das aptidões étnicas e históricas. Crítico da opinião liberal que sugere retirar do Estado umas tantas funções, ele constata, àquela altura do século XIX, que o ensino público no Brasil, em todos os graus, sempre fora muito ruim, mas, sem nenhuma dúvida, o considerava de melhor qualidade que o ensino privado. E não cansava de denunciar a extorsão que era praticada por muitas pessoas que se imiscuíam com a área, além de questionar-lhes a competência.
Em Sílvio Romero não há como desentranhar o debate a respeito dos temas que relacionam Estado nacional/ensino e ensino público/ensino privado da questão da liberdade do ensino. Ele percebe que o ensino primário escapa quase que totalmente das mãos do Estado, que o ensino normal também estava quase completamente fora do controle da União e que o ensino secundário e superior tenderiam a escapar-lhe. Condena o entendimento que havia no Brasil de liberdade do ensino como sendo a liberdade de permitir a qualquer cidadão ministra-lo, afirmando existir sobre tal matéria duas alternativas: uma que chama de brasileira; a outra, que o entusiasma, a prussiana. “A teoria inconscientemente admitida no Brasil sobre a liberdade de ensino é puramente exterior, não penetra no âmago dos fatos; é altamente nociva e de todo errônea” – afirma.
A liberdade condenada por Romero consistia no poder de cada um, fosse quem fosse, ensinar. A liberdade desejada por ele é a que diz respeito aos conteúdos, aos métodos de ensino, as doutrinas, e não a praticada, que sequer cobrava a habilitação do pessoal docente. Entusiasta do germanismo, revela que na Alemanha não existe liberdade de ensinar no sentido de permitir a quem quer que seja o exercício do direito de lecionar, já que naquele país só podia ensinar quem estivesse habilitado e o demonstrasse submetendo-se a provas aplicadas pelo Estado que, examinando caso a caso, concedia ou não a autorização. A essa restrição do Estado alemão correspondia uma imensa liberdade que era concedida ao professor quanto aos métodos e a natureza das doutrinas, o que transformava o professor alemão numa força autônoma, preocupado apenas em desenvolver a elasticidade dos espíritos e preparar o caráter com base na independência da razão. O ensino brasileiro, na sua visão, seria a negação da autonomia da inteligência, pois ensinava a decorar fórmulas, escravizava o raciocínio e ensinava inutilidades. O Estado deveria – propõe Sílvio Romero – tornar efetiva e ampla a liberdade completa e radical do ensino de doutrinas e de utilização de métodos. E isso só seria possível se a União organizasse uma carreira para o magistério que fosse economicamente atrativa, único meio de atrair e manter na docência os mais competentes, dos quais exigir-se-ia uma formação sólida. A liberdade de ensino, no seu entendimento, dizia respeito a doutrinas a transmitir e aos métodos a serem utilizados para essa transmissão. Aquilatar quem tem competência para tal tarefa é possível com a organização de concursos pelo Estado.

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