sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A VIAGEM DE ABDIAS

O tema das viagens de sergipanos a São Paulo durante a primeira metade do século XX, a fim de aprenderam com as experiências da pedagogia moderna e da Escola Nova as possibilidades de reformar o ensino em Sergipe, continua pouco explorado como objetos dos pesquisadores de História da Educação. Atualmente, apenas dois estudos a respeito desta questão estão em andamento: a pesquisa que vem sendo desenvolvida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela professora sergipana Josefa Eliana Souza, a respeito do trabalho de Helvécio de Andrade e a pesquisa que vem sendo tocada na Universidade Federal de Sergipe pela professora Neide Sobral, do Departamento de Educação. Pessoalmente, tenho estudado um pouco o problema e já publiquei alguns artigos a respeito deste assunto.
Ao discutir esta questão em textos anteriores, listei as viagens realizadas por Helvécio de Andrade, José Augusto da Rocha Lima, Franco Freire e Penélope Magalhães. Quero acrescer a esta lista um outro viajante: o professor Abdias Bezerra. Ele viajou a São Paulo no ano de 1923, onde estudou as reformas do ensino que vinham sendo implementadas naquele Estado. Ao regressar, comandou a reforma do ensino sintetizada no Regulamento da Instrução Pública editado em 11 de março de 1924 por Maurício Gracho Cardoso, então presidente do Estado. O novo regulamento alterou profundamente os programas para os cursos primário, elementar e superior vigentes em Sergipe.
Abdias Bezerra nasceu no dia sete de setembro de 1880 na então Vila de Siriri. Era filho do professor João Amâncio Bezerra e da sua mulher, Hermínia Rosa Bezerra. Antes de iniciar os seus estudos secundários no Ateneu Sergipense, fora aluno das escolas de Siriri, Itabaiana e Japaratuba. Em março de 1900, matriculou-se na Escola Militar do Realengo, onde fez o curso secundário e o primeiro ano do ensino superior, sendo expulso em 1904, depois de ter participado da revolta do mês de novembro daquele ano. Regressou a Sergipe e iniciou a sua carreira de docente, lecionando em escolas privadas. Em maio de 1909 foi aprovado em concurso público para a cadeira de francês do Ateneu. Em 1911, transferiu-se para as cadeiras de aritmética e álgebra, do curso ginasial. Em seguida passou a ensinar português, até o ano de 1915, quando assumiu as cadeiras de geometria e trigonometria. Um ano depois, em junho de 1916, voltou outra vez para as cadeiras de geometria e trigonometria. Era um caso raro de professor capaz de lecionar em várias áreas.
Em novembro de 1922, Abdias Bezerra assumiu o cargo de diretor do Ateneu Sergipense. Em abril de 1923 foi dirigir o curso comercial Conselheiro Orlando e em maio do mesmo ano passou a exercer o cargo de diretor da instrução pública do Estado. O professor Abdias Bezerra morreu no dia 14 de junho de 1944.
O sepultamento de Abdias Bezerra foi um acontecimento político e social marcante na vida da cidade de Aracaju do ano de 1944. O percurso da casa do seu filho, Felte Bezerra, onde foi velado, à rua Maroim, até o Cemitério Santa Izabel foi feito a pé, acompanhado por uma multidão de personalidades políticas e por estudantes das principais escolas da cidade de Aracaju, que formaram duas alas que transportavam coroas fúnebres e flores naturais. Após estas alas, um grande acompanhamento de automóveis, bondes e ônibus. Antes do corpo ser sepultado, discursaram o interventor substituto, Francisco Leite Neto; o representante da Escola Normal Rui Barbosa, professor José Calasans Brandão; o representante do Colégio Estadual de Sergipe, professor Franco Freire; o representante do Ginásio Tobias Barreto, professor João de Araújo Monteiro; o jornalista Freire Ribeiro; o representante do corpo discente do Colégio Estadual de Sergipe, Clodomir Silva; o representante da Maçonaria, José Felizola; o representante dos operários, João Vieira de Aquino; o seu ex-aluno, José de Matos Teles; e o diretor do Departamento de Educação, Acrísio Cruz.
As viagens de estudo, como a realizada por Abdias Bezerra, e a “importação” de técnicos constituíram estratégia importante para a política de reforma do ensino em Sergipe. O interesse que as reformas educacionais despertaram deixou muitos vestígios na educação do Estado de Sergipe. As diferentes memórias da instituição e das práticas escolares ajudam a compor um quadro que dá conta de muitas mudanças na vida escolar entre as décadas de 1910 e 1950. São transformações da mentalidade política, econômica, social e dos padrões de cultura escolar. A consciência de tais mudanças corresponde ao estabelecimento de valores distintos a partir de novos padrões de conduta, de novas convenções sociais. Há uma valorização da instrução pública no período. Os governos estaduais se entusiasmaram com as reformas que se irradiaram a partir de São Paulo pela visibilidade que ganhavam junto à opinião pública, em função do seu caráter moderno, que se exprimia através de um discurso de racionalidade técnica dos profissionais de educação e da legitimação que se poderia obter. À medida que as reformas se irradiavam por todo o Brasil (São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia), ao longo das décadas de 1920 e 1930, também se consolidavam o ideário da Escola Nova no Brasil, seja pela presença de um novo perfil de pedagogos, os “educadores profissionais”, seja pela expansão de caráter quantitativo e qualitativo da nova literatura educacional.

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