quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A REMUNERAÇÃO, OS CONCURSOS E ALGUNS PROFESSORES E PROFESSORAS: ASPECTOS DA PROFISSÃO DOCENTE NA HISTÓRIA DE ARACAJU - IV

PROFESSORES OU PROFESSORAS?


Desde o século XIX, em Sergipe e nas demais Províncias do Império, as “denúncias de nomeações políticas de professores pontuam relatórios de inspetores” (SOUZA, 2000, 76) e de outras autoridades. Maria Cecília Cortez Christiano de Souza, tomando por base um estudo de José Murilo de Carvalho (CARVALHO, 1996), assevera que essa característica do serviço público não era privilégio da sociedade brasileira. Nos Estados Unidos,


um inquérito do Congresso americano qualificava em 1885, a maioria dos funcionários públicos como incompetente e corrupta. Na Inglaterra do começo do século XIX, os políticos consideravam um meio normal presentear os conhecidos, amigos e correligionários com um emprego público. O que distinguiu o Brasil foi o peso político e a longevidade desse sistema, que se manteve forte pela ausência de alternativas de emprego para homens livres letrados. Na Inglaterra, em 1853, já se faziam esforços para implantar um sistema de mérito; nos Estados Unidos, essa iniciativa partiu do Civil Service Act, de 1883, por pressão de organizações civis e locais (SOUZA, 2000, 77).


Estas observações, todavia, não nos autorizam a supor que o tema do concurso para o ingresso no magistério público brasileiro tenha estado ausente dos regramentos. Desde o século XVIII, após a reforma pombalina, se estabeleceu no Brasil Colônia um modo de organização da profissão docente adotado por alguns Estados europeus. Era a regulamentação jurídica de procedimentos uniformes na seleção e designação dos docentes, que adquiriam a condição de funcionários do Estado, um corpo administrativo autônomo e hierarquizado. O ingresso à profissão dependia, então, “obrigatoriamente de um documento escrito, concedido pelo Estado através de exame ou concurso público” (OLIVEIRA, 2003, 106). Os candidatos deveriam preencher alguns pré-requisitos referentes a habilitação, idade, comportamento moral e antecedentes. Em Sergipe, no século XIX, são muitos os registros existentes acerca de concursos realizados para admissão de professores para a instrução primária e lentes do Atheneu e da Escola Normal. Tais concursos, normalmente, contavam com a presença do presidente da Província. Apesar de o discurso dos políticos e intelectuais republicanos haver remetido ao passado imperial todas as mazelas do ensino público, as práticas relativas aos concursos públicos se impuseram de modo muito lento e coexistiram com as relações de natureza patrimonialista até a segunda metade do século XX.
Nomear professores sem concurso era um hábito que ajudava os governantes no resgate de compromissos políticos com amigos e correligionários. Muitas vezes a falta dos concursos levou o parlamento provincial a tornar sem efeito o provimento de cargos de professor, mesmo no mais importante dos estabelecimentos de ensino da Província – o Atheneu. No dia 11 de maio de 1875, a Resolução nº. 1031 anulou o ato do presidente da Província pelo qual foram nomeados, sem concurso, os lentes das Cadeiras de História e Geometria do Atheneu. A mesma Resolução determinava a abertura de concurso para as referidas Cadeiras (FRANCO, 1880, 14). Na Escola Normal, o acesso ao quadro docente se dava também através de concurso público. Para se inscrever no concurso de catedrático da Escola Normal era necessário preencher pelo menos uma das seguintes condições: ser normalista, professor primário vitalício, professor secundário ou ter exercido o magistério secundário durante algum tempo. As provas do concurso começavam sempre às dez horas da manhã.
Uma fala do presidente do Estado, Guilherme Campos, encaminhada à Assembléia Legislativa no ano de 1908 esclarece, de certo modo, o entusiasmo de alguns governantes para com a formação de professoras. Ele diz sem meias palavras que para o Estado era preferível garantir as mulheres no magistério público, por ser uma medida mais econômica, uma vez que os vencimentos pagos a uma professora na época não satisfaziam a um professor:


Sem querer, como outros preconizar os dotes que a mulher tem para ser mestra, acho justificável a preferência que se lhe dá: porque o Estado não dispõe de grandes recursos, e a educação das crianças por ela é um meio mais econômico, porquanto ela se contenta com exíguos vencimentos que não poderiam satisfazer um professor (CAMPOS, 1908, 7).


Segundo Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas,


aparecem nessa Mensagem Presidencial aspectos do trabalho feminino socialmente construídos. Em primeiro lugar, o salário da professora, apesar de ser considerado exíguo e garantir economia para o Estado, não seria satisfatório para o professor. Nesse caso, o trabalho feminino é mal remunerado, sendo que o salário da professora provavelmente poderia ser complementado pela renda do pai ou do marido (FREITAS, 2003a, 154).

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