sábado, 10 de outubro de 2009

NOTAS PARA UM ESTUDO SOBRE A IMIGRAÇÃO ALEMÃ EM SERGIPE III

Joel Aguiar, memorialista da vida maruinense, afirmou a propósito dos hábitos daquela família alemã:


Os Schramm exerceram em Maruim benéfica influência e a opulência do seu viver, como também a generosidade dos seus gestos ainda hoje são conhecidos. O cônsul Otto Schramm foi, para Maruim, um símbolo de rara cultura e um edificante exemplo de que o trabalho tudo vence (AGUIAR, 2004, 84). Velhos de hoje, que moços freqüentaram o solar dos Schramm, narraram-me o fausto que ali resplandecia nas largas e claras salas muradas de espelhos e adornadas a rigor; no salão-refeitório, em cuja imensa, pesada e custosa mesa de jacarandá, com pitorescos entalhes, lampejavam os mais finos cristais, tinia um serviço extravagante de prata reluzente, branqueava uma enorme toalha de linho holandês e aromatizavam o ambiente todos os frutos da Europa e todas as especiarias do Oriente. Nas lácteas espáduas e nos alabastrinos colos das sonhadoras filhas do Reno e do Danúbio, rangiam as sedas asiáticas e cintilavam as pedrarias italianas. Era o alto burguesismo comercial de Bremen e de Hamburgo em toda a sua magnificência, neste retalho geográfico da América Austral (AGUIAR, 2004, 149).


A senhora Schramm considerava a sua casa aconchegante e a descrevia em detalhes: duas salas-de-estar, uma sala-de-jantar, quarto de dormir, o quarto de vestir do marido Ernst, o quarto de hóspedes, o quarto da empregada, um quarto grande com armários e banheira e uma grande despensa. Todos os quartos davam para um corredor que dividia a casa em duas partes. A residência era toda cercada por varandas e na parte da frente tinha dois andares. Nos fundos estavam situados a cozinha e os estábulos e na parte mais baixa ficava um grande quarto onde dormiam os escravos, a lavanderia, um quarto de passar a ferro e a despensa para vinho, cerveja e batatas. A casa era muito bem ventilada. (FREITAS, 1991, 8). Todo o mobiliário era de jacarandá maciço com palhinhas finas, enquanto os móveis dos quartos tinham estilo rococó com pernas recurvas, portères de tule e cortinas. Segundo Adolphine, existiam na casa 13 tipos diferentes de cadeiras de encosto e de balanço (FREITAS, 1991, 11). Para administrar a residência ela contava com duas empregadas alemãs.
Além da sua casa, a alemã também gostava das noites de lua maruinenses e elogiava o céu cheio de estrelas, as frutas, os pássaros e as borboletas. Via ainda os hábitos alimentares como outro ponto alto da vida em Maruim, destacando a ótima sopa de carne que consumia diariamente, além da carne cozida com molho picante, as verduras, o maxixe, o chuchu, a abóbora, a farinha de mandioca, a galinha ao molho pardo, o enrolado de carne, os bolinhos de carne, a salada de arenque, os bolinhos de peixe, a carne assada com feijão preto, o inhame, a salada de batata, a carne de carneiro, a carne de porco. O comércio local pareceu a Adolphine Schramm um espaço adequado para se fazer boas compras (FREITAS, 1991, 8).
Todo esse refinamento, contudo, não fazia a felicidade da dona da casa, como pode ser compreendido na descrição que faz José Edgard da Mota Freitas, da vida de Adolphine Schramm em Maruim: “um pássaro numa gaiola de ouro” (FREITAS, 1991, 6). Apesar de toda a estrutura residencial de que dispunha e da admiração por alguns poucos elementos naturais e pela culinária, foi muito elevado o grau de estranhamento de Adolphine em relação ao ambiente dos trópicos. E, várias vezes, expressou claramente a sua amargura: “a vida aqui está ligada a tantas privações espirituais e naturais! Com as últimas é possível se acostumar, mas, com as primeiras, sente-se cada vez mais” (FREITAS, 1991, 15). Ela


não conseguiu adaptar-se ao rigor do clima tropical e à estreiteza do meio cultural. Essas dificuldades de adaptação afetaram-lhe (...) não só o corpo, mas também a alma. (...) As suas únicas compensações, para suportar as dificuldades do convívio numa terra distante, cujos costumes são tão diferentes daqueles da sua terra natal e cujo clima lhe destruiu a beleza física, são o amor do marido e a esperança de um dia retornar à Alemanha (FREITAS, 1991, 6).


Ao se manifestar sobre o seu estranhamento em relação ao ambiente, Adolphine reclamava da natureza dos trópicos, que lhe parecia demasiadamente feia, em relação ao ambiente natural europeu. Sentia falta de flores, árvores e considerava as estradas e caminhos muito ruins, ao tempo em que registrava como era desagradável e salobra a água maruinense. Do mesmo modo, detestava as cobras, os lagartos, os escorpiões, o zumbido dos mosquitos, o calor tropical e as formigas. Na culinária, criticava a feijoada, a dificuldade para encontrar leite, a escassez de ovos de galinha e os preços dos gêneros alimentícios, que considerava muito caros. Nada, porém, comparável aos bichos de porco “que se encravam sob as unhas dos dedos dos pés e ali põem seus ovos e logo depois de uma hora, através de uma terrível coceira, anunciam sua presença” (FREITAS, 1991, 18). A terapia era aplicada através de uma cuidadosa assepsia dos pés realizada por um dos escravos. “A operação quase não dói e é sempre executada por negros que têm habilidade especial para tirar essas pústulas sem infeccionar” (FREITAS, 1991, 18).
Quando da sua chegada a Maruim, o casal foi objeto de todas as atenções por parte da comunidade alemã e alvo do estranhamento dos maruinenses e dos negros escravos que queriam ver “a senhora inglesa” – já que assim consideravam todas as mulheres de pele clara.
Até o final da década de 50 do século XIX Otto Schramm já havia instalado um consulado alemão na cidade e exercia a função de Cônsul. Quando o Imperador Pedro II visitou Maruim, em 1860, achavam-se hasteadas no local de desembarque algumas bandeiras dos países estrangeiros representados na cidade: Alemanha, Inglaterra, Suécia, Noruega, Nápoles e Áustria (SILVA, 1994, 92). Em 1878, quando da visita de Francisco Idelfonso Ribeiro de Menezes, presidente da Província, a Maruim, em nome do consulado alemão compareceram à solenidade Herman Kotsch, Johan Heinrich Winter e o próprio Otto Schramm. No local onde funcionou o consulado, instalou-se, no século XX, o Parque Otto Schramm.
A família Shcramm sofreu um duro golpe em Maruim, no ano de 1863, com a morte de Adolphine, mulher de Ernst Schramm, irmão de Otto, falecida em onze de abril daquele ano, por haver contraído cólera. Luterana, Adolphine não teve direito a ser sepultada na Igreja Matriz nem no cemitério, como era o hábito de enterramento em relação às pessoas da elite, no período. O espaço destinado a sua sepultura foi uma área de terra na propriedade da família Schramm.
Nem todos os alemães que viviam em Maruim, contudo, podiam dispor do fausto proporcionado pela riqueza que os Schramm tinham à sua disposição. Em uma carta que enviou à sua mãe no dia cinco de fevereiro de 1859, Adolphine é mordaz a esse respeito:


Vejo ao meu redor homens que dedicaram quase toda a juventude aos negócios no Brasil, sem que até agora tenham conseguido o necessário para retornar à sonhada terra natal. Se, de certa forma, conseguiram amealhar considerável patrimônio, investiram em terrenos impossíveis de vender, nas mãos dos fazendeiros, em prédios etc, que demandam anos para serem transformados em dinheiro (FREITAS, 1991, 15).


Para dar força à sua tese, buscou exemplos nos alemães que gravitavam em torno do seu círculo familiar. Citou nominalmente Busch, contador, com 38 anos de idade, cinco de trabalho no Brasil e dispondo apenas do seu salário para sobreviver. Wiedemann, com idade de 40 anos, exercia a função de caixa, trabalhando no Brasil durante 20 anos, dos quais 15 em Maruim. Entretanto, afirma considera boa a vida das mulheres no país: “Nós, mulheres, (...) temos vida boa aqui, pois nossos maridos gostariam de conservar-nos numa moldura” (FREITAS, 1991, 16).
Na década de 70 do século XIX uma outra família alemã se instalou em Sergipe: os Löeser. O comerciante Karl Löeser fixou-se em Maruim como gerente da Casa A. Schramm & Co. Casado com uma alemã, Alma, deixou uma prole de três filhos: Walter, Emy e Alice. No início do século XX, Karl transferiu-se para Aracaju e já era à época, ele mesmo comerciante autonomamente estabelecido com negócios de importação e exportação de açúcar, bacalhau, louça e ferragens. No período da I Guerra Mundial enfrentou dificuldades, em função das quais a sua mulher retornou à Europa. Sem que ela regressasse, Karl casou novamente no Brasil, formando uma nova família, com três filhas e um filho. Com o final da I Guerra, Walter, seu filho do primeiro casamento, retornou a Sergipe e ajudou o pai a ampliar os negócios de representações comerciais da família, além de atuar como Vice-Consul da Alemanha em Sergipe, despachante aduaneiro e professor de alemão. Ao morrer, em 1969, Walter havia reorganizado os negócios do pai e criado a empresa Walter Löeser Ltda, que deixou sob a direção do seu primogênito, Siegfried. Em Laranjeiras, ainda na segunda metade do século XIX, o cenário econômico recebeu a influência de Otto Jungklausen. Acredita-se ter sido ele o primeiro alemão que se voltou ao plantio da cana de açúcar em Sergipe. Adquiriu as usinas Comandaroba e Monte Alegre, que depois foram reunidas em uma propriedade batizada com o nome de Engenho Bismarck[i]. Como produtor de açúcar mandou buscar em seu país de origem vários engenheiros e técnicos agrícolas (RODDEWIG, 2001).

[i] O Engenho Bismarck foi adquirido por José Sobral, em 1928, e transformado na Usina Boa Sorte.

Um comentário:

  1. ei queria saber quem era o pai do meu bisavô, thales campos schramm, queria saber pq eles vieram para o brasil, mas nao consigo encontrar nada sobre os meus antepassados.

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