quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

BACHELARD, KOYRÉ E KUHN

A grande mudança de rumo na História da Ciência durante o século XX começou a acontecer a partir da década de 30. Durante um Congresso de História da Ciência que aconteceu em Londres, no ano de 1931, um grupo de soviéticos questionou, a partir de pressupostos da teoria marxista, a História da Ciência que se produzia afirmando que a produção científica é fruto dos condicionantes sociais de um determinado tempo. As teses soviéticas entusiasmaram alguns jovens intelectuais ingleses historiadores da ciência que produziram alguns trabalhos assumindo a nova linha. Ficaram conhecidos como externalistas, por estarem preocupados em entender de que modo os fatores externos ao saber científico influem nas conclusões deste. A denominação se opunha ao internalismo, corrente da qual participavam os historiadores da ciência que consideravam apenas os elementos endógenos.
A esta contribuição se somou um outro conjunto de reflexões produzidas também na década de 30 pelo intelectual francês Gaston Bachelard. Ele questionou o evolucionismo do qual se revestia a História da Ciência, inclusive o dos externalistas, para negar a idéia segundo a qual o conhecimento científico progredia permanentemente, por aprimoramento. Para ele, não bastava apenas aprimorar o conhecimento velho para produzir novos conhecimentos. Muitas vezes era necessário romper com modelos estabelecidos, com formas de pensar consagradas para produzir outros saberes científicos. O conhecimento é produzido muitas vezes de forma descontínua.
Ao modo de refletir sobre História da Ciência proposto por Gaston Bachelard se somaram as reflexões do professor russo Alexandre Koyré. Vivendo e trabalhando em Paris, ele assumiu a tese da descontinuidade, compreendendo que em cada momento, em cada grupo social, os cientistas adotam diferentes pressupostos teóricos, atendem diferentes necessidades e formulam distintas hipóteses para produzir conhecimento.
O discurso a respeito da descontinuidade, no entanto, foi radicalizado na década de 60 por Thomas Kuhn. Usando a noção de paradigma, ele esclareceu que a descontinuidade ocorre como necessidade social. Paradigma seria o conjunto de regras, normas, crenças e teorias que dá direção à ciência numa determinada época, num dado grupo social. Em torno de cada paradigma o conhecimento científico se acumularia, sofrendo aprimoramentos. Porém, a partir de um determinado ponto, o paradigma não mais conseguiria explicar alguns fenômenos e entraria em crise.
A crise de um paradigma, portanto, pode ocasionar uma revolução na ciência. Durante o período de crise vários paradigmas buscam substituir o anterior. Ocorre que os novos paradigmas ainda não incorporaram completamente os valores cientificamente aceitos e por isto sofrem modificações até que estejam completamente legitimados. Segundo Ana Maria Alfonso Goldfarb, a partir da lógica de Kuhn, a escolha de um entre os vários novos paradigmas, não é tão certa e linear como os livros didáticos ou os compêndios de História da Ciência tinham feito crer. Como todos são incompletos, a escolha da comunidade vai ocorrer por motivos estéticos, emocionais, e até políticos, ou seja, razões nada lógicas entram na escolha do novo paradigma. Quando a crise passa essa espécie de irracionalidade é esquecida. E a história, olhando para o novo paradigma já estabelecido, que parece explicar mais e melhor os fenômenos, acaba por colaborar com a impressão geral de que o conhecimento científico se acumula de uma forma continuada e natural.
Kuhn esclarece ainda que o novo paradigma não explica de modo mais adequado os fenômenos anteriores. Na verdade, não apenas o paradigma é substituído, mas também a compreensão dominante a respeito da ciência e dos seus fenômenos, os valores e as teorias vigentes. Enfim, todo o quadro conceitual, todas as práticas.
O estudo da história da ciência, das instituições científicas e da difusão das suas práticas formativas e de pesquisa pode ser uma importante ferramenta para o desenvolvimento de cada um dos campos específicos, possibilitando o debate sobre os itinerários teórico-metodológicos e a reflexão sobre as formas de transmissão da cultura científica e tecnológica. A tarefa contemporânea para os que se dedicam a pesquisar História da Ciência reivindica a superação dos limites que estão postos pelos debates em torno desse campo.
Este esforço situa o historiador no âmbito da chamada Nova História das Ciências - NHC, cujas redefinições rejeitam todas as possibilidades de engessamento do conhecimento histórico.

Um comentário: