quinta-feira, 10 de setembro de 2009

ATO FINAL: A DITADURA VENCIDA VII

O quadro se apresentava muito difícil para as velhas lideranças da ditadura militar, com as crescentes adesões ao candidato do PMDB, inclusive de alguns dirigentes do PDS, que abandonaram o partido, como o presidente nacional do partido, José Sarney. Os governistas foram obrigados a reorganizar a direção partidária, entregando a presidência nacional do Partido Democrático Social ao senador e ex-governador sergipano Augusto Franco, que assumiu a responsabilidade de buscar a unidade partidária para a defesa da candidatura de Paulo Maluf à Presidência da República.
Foram muitos os dissidentes do partido governista que romperam com a candidatura de Paulo Maluf e criaram a Frente Liberal, transformada mais tarde em Partido da Frente Liberal – PFL. A estratégia do grupo, desde o início, foi a de criar um novo partido objetivando participar do governo do PMDB. Desde maio de 1984 se especulava a possibilidade do estabelecimento de um pacto entre os líderes do PMDB e o Vice-Presidente da República, Aureliano Chaves. José Sarney liderava a dissidência governista, juntamente com o vice-presidente da República, Aureliano Chaves, o senador Marco Maciel, Guilherme Palmeira, o governador do Ceará, Luís Gonzaga Mota, o ex-ministro Hélio Beltrão e, posteriormente, Antonio Carlos Magalhães. Eles elaboraram o Manifesto da Frente Liberal, apoiando a candidatura de Tancredo Neves, o que habilitava o nome de José Sarney como candidato à Vice-Presidência, na chapa da oposição. Foram muitos os debates no PMDB a respeito da composição da chapa. Alguns grupos do partido relutavam em aceitar o nome do senador maranhense, principalmente em face da sua condição de ex-presidente do PDS. Todavia, era justamente esta condição que fortalecia o seu nome, por dividir as bases governistas. Em Sergipe, o deputado estadual Guido Azevedo defendeu a indicação do senador José Sarney como candidato a Vice-Presidente, dizendo que era uma candidatura supra-partidária.
O PMDB anunciou que aceitava o acordo da Frente Liberal e a indicação do nome de José Sarney como candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves[1] desde que os liberais concordassem com a eleição direta para a escolha do sucessor de Tancredo Neves; o mandato presidencial de quatro anos. A concordância dos dois grupos levou à celebração da chamada Aliança Democrática, apresentando um programa, sob a forma de manifesto, que defendia restabelecimento imediato das eleições diretas, livres, com sufrágio universal para presidente da República e prefeitos das capitais; e, convocação de Assembléia Nacional Constituinte livre e soberana:


Os signatários deste documento, representantes do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e da Frente Liberal, objetivando a consolidação das instituições democráticas, o desenvolvimento econômico do Brasil e a realização da justiça social, deliberaram construir uma Aliança Democrática, aberta aos partidos políticos e demais forças democráticas, para eleger o Presidente e Vice-Presidente da República às próximas eleições e instituir um governo que promova o encontro do Estado com a sociedade e concretize o bem comum.
Fundamenta-se esta Aliança Democrática nos seguintes princípios:
O PMDB e a Frente Liberal, conscientes de suas responsabilidades perante a nação decidiram reunir seus esforços no propósito de promover as inadiáveis mudanças que a sociedade brasileira exige.
O entendimento que seja, neste momento, é o primeiro passo para a constituição de uma Aliança Democrática, que se compromete com o destino nacional. Ao formalizá-lo, os signatários conclamam os partidos políticos, e demais forças democráticas, animados pelo sentimento de patriotismo, a se irmanarem nesta caminhada de fé e esperança do povo brasileiro.
O país vive gravíssima crise na história republicana. A hora não admite vacilações.
Só a coesão nacional, em torno de valores comuns e permanentes, pode garantir a soberania do país, assegurar a paz, permitir o progresso econômico e promover a justiça social.
Este pacto político propugna a conciliação entre a sociedade e o Estado, entre o povo e o Governo. Sem ressentimentos, com os olhos voltados para o futuro, propõe o entendimento de todos os brasileiros.
É indispensável que se efetive o congraçamento nacional baseado na liberdade, na igualdade sob a lei, no escrupuloso respeito pela coisa pública, na justa participação de todos nos frutos do progresso, na solidariedade entre os brasileiros. Congraçamento nacional capaz de propiciar, em clima democrático, as mudanças que a nação reclama.
É urgente a necessidade de promover-se a reorganização institucional do país.
Uma nova constituição fará do Estado, das leis, dos partidos políticos, meios voltados para a realização do homem – sua dignidade, sua segurança e seu bem-estar.
O Brasil deve ser um país para seu próprio povo, em que seja assegurado o exercício pleno da cidadania, respeitados os direitos humanos, preservadas a identidade e a cultura nacionais.
Em uma nação marcada pela pobreza e ameaçada pelo desespero dos marginalizados, a administração pública deve se caracterizar pela credibilidade e pela participação e se pautar sempre pela austeridade e moralidade.
É dever do Estado erradicar a miséria que afronta a dignidade nacional, assegurar a igualdade de oportunidade, propiciar melhor distribuição da renda e da riqueza, proporcionar o reencontro com os valores da nacionalidade.
Esse Brasil será edificado com o sacrifício, a coragem e as inesgotáveis reservas de patriotismo de sua gente.
Esta é a tarefa que cumpre empreender.
Esse entendimento possibilita a Aliança Democrática estabelecer como compromissos impostergáveis e fundamentais com a nação brasileira:
- Restabelecimento imediato das eleições diretas, livres e com sufrágio universal, para Presidente da República, prefeitos das capitais dos Estados e dos Municípios considerados estâncias hidrominerais e dos declarados de interesse da segurança nacional. Representação política de Brasília;
- Convocação de Constituinte, livre e soberana, em 1986, para elaboração de nova constituição;
- Restabelecimento da independência e prerrogativas do Poder Legislativo e do Poder Judiciário;
- Fortalecimento da Federação e efetiva autonomia política e financeira dos Estados e Municípios;
- Reforma da legislação eleitoral de modo a possibilitar a formação de novos partidos, permitir as coligações partidárias e assegurar às agremiações políticas o acesso democrático ao rádio e à televisão;
- Retomada e reordenamento do processo de desenvolvimento, como opção fundamental da sociedade brasileira;
- Reprogramação global da dívida externa, em condições que preservem o povo de sacrifícios insuportáveis e resguardem a soberania nacional;
- Combate à inflação, através de medidas que consideram, não apenas sua origem financeira, mas, sobretudo seu caráter prioritariamente social. Saneamento financeiro interno e redução do custo do dinheiro;
- Reforma tributária, como instrumento básico de realização dos objetivos de política social e econômica. Correção das desigualdades regionais e pessoais de renda;
- Prioridade ao Nordeste e reconhecimento de sua capacidade na formulação das soluções mais adequadas ao resgate da dívida nacional para com a região;
- Adoção de medidas de emergência contra a fome e o desemprego;
- Desconcentração do poder e descentralização do processo decisório. Desburocratização;
- Apoio à livre iniciativa. Fortalecimento das empresas nacionais. Tratamento favorecido às pequenas e médias empresas;
- Revisão da política salarial, com eliminação do processo de compressão do poder aquisitivo dos trabalhadores, dos servidores públicos e da classe média. Garantia da autonomia e liberdades sindicais e do direito de greve;
- Educação fundamental para todos. Fortalecimento da Universidade e efetivação da sua autonomia. Apoio à pesquisa, ao desenvolvimento científico, tecnológico, artístico e cultural;
- Defesa do patrimônio histórico, artístico e cultural brasileiro. Adoção de um plano nacional de cultura;
- Combate a qualquer espécie de discriminação e preconceito quanto à religião, sexo e raça. Proteção aos direitos das minorias;
- Direcionamento dos recursos e estímulos para o aumento da oferta substancial de bens e serviços indispensáveis à satisfação das carências básicas da população no campo da alimentação, saúde, educação e habitação;
- Proteção do meio ambiente. Defesa da Amazônia. Política urbana. Melhoria da qualidade de vida e das condições de segurança individual;
- Reestruturação da Previdência Social e do Sistema Financeiro da Habitação, com adoção de medidas que lhes propiciem condições de estabilidade e fidelidade aos objetivos sociais;
- Execução de política agropecuária que assegure a fixação de preços mínimos realistas e a formação de estoques reguladores adequados. Reforma agrária mediante cumprimento do Estatuto da Terra e melhoria das condições de vida do homem do campo;
- Política externa voltada para a preservação da soberania dos Estados, segurança e justiça internacionais e busca da paz.
Acordaram os signatários que o candidato a Presidente da República seja proposto pelo PMDB, que indica o governador Tancredo Neves, e o candidato a Vice-Presidente da República seja apresentado pela Frente Liberal, que indica o senador José Sarney.
Estabeleceram, igualmente, que o programa governamental venha a ser conjuntamente elaborado pelo PMDB, Frente Liberal e partidos políticos que venham a integrar a Aliança Democrática, orientando-se pelos princípios constantes do “compromisso com a nação”.
Finalmente, manifestaram a determinação no sentido de desenvolver gestões com o objetivo de alcançar a participação dos partidos políticos e outras forças democráticas que, identificados com estes propósitos, desejam unir esforços através da Aliança Democrática, para solucionar os graves e urgentes problemas que afligem o Brasil e, integrados, pugnarem pela vitória dos compromissos e das candidaturas que, para esse fim, indicam.
Brasília, DF, 07 de agosto de 1984.
Ulysses Guimarães, Presidente do PMDB
Tancredo Neves, Governador do Estado de Minas Gerais
Antonio Aureliano Chaves de Mendonça, Vice-Presidente da República
Marco Maciel, Senador pelo Estado de Pernambuco[2].


[1] A chapa Tancredo Neves/José Sarney, do PMDB, enfrentou a chapa Paulo Maluf/Flávio Marcílio, do PDS.
[2] Cf. Gazeta de Sergipe, Ano XXIX, nº 7.740, 08 de agosto de 1984. p. 5.

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