domingo, 20 de setembro de 2009

O ENSINO SUPERIOR DE QUÍMICA EM SERGIPE II

É necessário observar este período de modo mais amplo e verificar que a década de 20 dos anos novecentos, em Sergipe, representou um momento importante para a difusão dos conhecimentos da Química, principalmente quando se considera que sucessivos governos investiram na criação de laboratórios destinados ao ensino dessa ciência, como o presidente Manoel Dantas, que exerceu a chefia do Poder Executivo sergipano entre os anos de 1927 e 1930. O ensino das Noções Gerais de Química estava presente no currículo das escolas secundárias de Sergipe desde o século XIX. No Liceu Sergipense, instalado em outubro de 1862, essa disciplina científica ocupava posição curricular destacada.
O processo de difusão das ciências que ocorreu no Brasil a partir das últimas décadas do século XIX e das primeiras décadas do século XX fez com que se expandisse não apenas a quantidade de escolas superiores, mas também redes de instituições científicas. A rede de escolas e de instituições de pesquisa aprofundou o conhecimento científico a respeito dos saberes com os quais operavam à medida que os químicos se empenhavam para constituir um discurso que, exacerbando o caráter científico e autônomo de sua atividade, lhes garantisse reconhecimento social e legitimidade intelectual. Na condição de escolas e institutos de tecnologia e de pesquisa científica essas instituições terminaram por oferecer aos próprios químicos as condições que o projeto de cientifização da sua atividade requeria. O estudo da História da pesquisa e do ensino de Química possibilita perceber um dos modos usado pelos profissionais com formação superior para a gestão científica do seu campo.
A partir de 1924 a equipe do professor Arquimedes Guimarães começou a formar profissionais em análises químicas. O curso tinha a duração de três anos.
Para admissão ao curso eram realizados exames preparatórios de Português, Francês, Geografia, Aritmética e Álgebra, Noções de Geometria e Desenho Geométrico Elementar, História do Brasil e Noções de História Universal. As aulas eram iniciadas no dia 15 de fevereiro e encerradas no dia 30 de outubro. O curso mantinha dois períodos de férias: o primeiro de quinze dias, no mês de junho, e um outro de noventa dias, que se iniciava no dia 15 de novembro, posto que a primeira quinzena deste mês, após o encerramento das aulas em outubro, era destinada a realização dos exames finais. As aulas teóricas do primeiro ano eram ministradas pelo próprio Arquimedes Guimarães.
A idéia exposta por Arquimedes era a de que ao final do curso o aluno estivesse dotado de uma formação geral que possibilitasse a sua escolha por uma das especialidades do campo da Química. Segundo ele, o currículo implantado em Sergipe procurava corrigir o que chamou de “erro dos atuais cursos federais”[1]. Por isto, propôs que, além das quatro disciplinas que então eram oferecidas em todos os cursos existentes (Química Inorgânica, Química Analítica, Química Orgânica e Química Industrial), fossem incluídas na programação de estudos a Física Experimental, as Noções de Geologia, a Mineralogia, a Biologia, a Químico-Física, a Eletroquímica, a Química Coloidal, a Bioquímica e a Química Fisiológica.
Em Sergipe, depois de funcionar durante dois anos, o curso começou a apresentar problemas e em 1926 foi fechado por falta de alunos. Todavia a estrutura montada naquele momento foi fundamental para a instalação da Escola de Química de Sergipe, no ano de 1948. Arquimedes indicava algumas dificuldades para a manutenção do curso de Química:


Já por precisão de uma base de humanidades suficiente, para a compreensão desses estudos, já por falta de boas disposições vocacionais em alguns matriculados, tornou-se possível até agora, apenas, a promoção de uma aluna para o segundo ano da Escola. (...) não tendo, por conseguinte, funcionado a Escola de Química no corrente ano, mesmo porque não houve concorrente algum às aulas da primeira série, apesar da propaganda feita nesse sentido e da extrema simplicidade dos programas de admissão[2].


Quando Arquimedes afastou-se do Instituto, em 1926, era significativo o acervo de contribuições deixadas por ele para o desenvolvimento do Estado de Sergipe. Nos três anos durante os quais atuou, ele coordenou pessoalmente os processos de análise da água das cidades de Laranjeiras, Rosário do Catete, Aracaju, Pedrinhas, Japaratuba, Maroim, Salgado, todas em Sergipe, e da água da cidade de Salvador, no Estado da Bahia, esta por solicitação do engenheiro Saturnino de Brito. Em Sergipe, a análise buscou, principalmente, identificar as principais fontes de água mineral existentes no Estado, por solicitação do médico Paulo Figueiredo Parreiras Horta. Arquimedes também esteve debruçado sobre a análise de amostras de sal, vinagre, talco, cal, minério de ferro, cloreto de potássio e taninos da banana e do genipapo.
Durante os seus três primeiros anos de funcionamento, o Instituto forneceu 180 litros de oxigênio para os serviços médicos do Estado; realizou análises toxicológicas para a polícia; fez ensaios sobre o alvejamento do algodão; analisou as possibilidades de fabricação de espelhos em Sergipe; e, revelou centenas de fotografias.
Além de dirigir o Instituto de Química Industrial, Arquimedes Guimarães foi professor da Faculdade de Odontologia e Farmácia de Sergipe Aníbal Freire, criada em dezembro de 1925 pelo presidente Maurício Graccho Cardoso. O regulamento da instituição foi aprovado em fevereiro de 1926 e no mês de abril foram iniciadas as aulas. A matrícula inicial nos dois cursos era de 22 alunos. Segundo o presidente de Sergipe, no discurso que proferiu durante a aula inaugural, era necessário livrar o Estado dos práticos de Farmácia e Odontologia existentes, fazendo com que todos os que exerciam essas atividades tivessem oportunidade de incorporar os saberes da Química, da Fisiologia, da Patologia Geral e da Higiene. Dirigida por Augusto Leite, a Faculdade tinha no seu corpo docente, além de Arquimedes Guimarães, os seguintes profissionais: Josaphat Brandão, Oscar Nascimento, Antônio Tavares de Bragança, Ranulfo Prata, Lauro Hora, Américo de Miranda Ludolf e João Firpo Filho. A Faculdade deveria utilizar para o seu funcionamento a estrutura já existente no Instituto Parreiras Horta, no Instituto de Química Arthur Bernardes e no Hospital de Cirurgia. Porém, a instituição funcionou apenas durante o ano de 1926, encerrando suas atividades em novembro daquele mesmo ano. Igual destino teve a Faculdade de Direito que, inaugurada em 1925, também funcionou apenas durante um ano.
As aulas de Química Geral e Mineral do curso de Farmácia e de Metalurgia e Química do curso de Odontologia eram ministradas por Arquimedes Pereira Guimarães no próprio Instituto de Química Industrial de Sergipe. O professor tinha como seu assistente também nessa atividade o farmacêutico Antônio Tavares de Bragança[3].


[1] Cf. GUIMARÃES, Arquimedes Pereira. Introdução a um curso de Química Industrial e aula inaugural do Instituto de Química de Aracaju. Bahia, 1929. p. 49.
[2] Cf. GUIMARÃES, Arquimedes Pereira. Introdução a um curso de Química Industrial e aula inaugural do Instituto de Química de Aracaju. Bahia, 1929. p. 57.
[3] Cf. Diário Oficial do Estado de Sergipe. Ano VII, n. 1808, Aracaju, domingo, 28 de fevereiro de 1926. p. 1.

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