sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A FRANÇA NO BRASIL: O PROJETO FRANCÊS E O ESTABELECIMENTO DE UMA CULTURA NACIONAL BRASILEIRA

Muitos estudiosos já deram conta de analisar as relações do Brasil com a França. Assim, optei por produzir algumas reflexões acerca da presença cultural francesa entre nós, tentando faze-lo a partir de uma análise a respeito da cultura brasileira, em face do processo de colonização européia em nosso território. Intelectuais como o sociólogo alemão Norbert Elias e o também sociólogo norte-americano Richard Morse defenderam que no momento inicial do processo de colonização portuguesa, tanto Portugal quanto a Espanha viviam já sob forte sintomatologia do seu declínio, enquanto a Inglaterra e a França estavam experimentando os primeiros passos na busca de uma hegemonia mundial. Richard Morse informou que a expressão América Latina provém da França de Napoleão III, quase quatro séculos após a descoberta das Índias Ocidentais, como parte de um discurso geoideológico para a suposta unidade lingüística, cultural e racial dos povos, em contraposição aos germânicos, anglo-saxões e eslavos.
Morse propôs que o estudo da herança das idéias de todo o conjunto da cultura do mundo ocidental fosse realizado não apenas a partir de uma tradição ibero-americana da véspera da colonização, apresentada em contraposição a uma tradição anglo-americana, de resto posta como atitudes mentais e configurações institucionais em si antagônicas.
Esse tipo de proposta presente em Morse e em Elias foi também marcante entre os intelectuais adeptos da história francesa das mentalidades. Tal vertente empreendeu uma releitura sistemática de muitas interpretações da cultura que a mesma França irradiou desde a consolidação, durante a segunda metade do século XVIII, do conceito de civilização. Na França daquele momento, todas as questões humanas, da mesma maneira que os problemas sociais, econômicos, administrativos e políticos eram tratados na corte pela intelligentsia que buscava influenciar a nobreza, o rei ou mesmo suas amantes. Influência que em boa parte dos casos pretendia obter reformas sociais que ampliassem os espaços de participação da burguesia, conotando o conceito de civilização de uma natureza crítica social no momento em que este se disseminava. Civilização, portanto, é um conceito de origem francesa que não se dá por acabado, é um processo sem fim que busca o refinamento dos padrões sociais gerais, uma vez que nem mesmo a revolução burguesa na França se propôs a subverter a unidade de costumes e hábitos da corte, posto que a intelligentsia francesa buscava parecer-se com a nobreza, em seus costumes. Na sociedade cortesã francesa, tanto a burguesia quanto a aristocracia cultivaram os mesmos padrões gramaticais e falaram a mesma língua, leram os mesmos livros e observaram as mesmas maneiras. Nietzsche afirmou que a corte estabeleceu uma lei de fala certa e, por conseguinte, uma lei de estilo para todos os que escreviam.
Assim, o papel social da França foi representado pelo conceito de nação, formada como configuração civilizada, na condição de instrumento da intelligentsia de classe média. À medida que a burguesia ascendeu e se legitimou na França, adquiriu o status de auto-imagem nacional e o seu principal traço de diferenciação foi a condição de grupo social civilizado, que se expressava no livre pensamento, na belle epoque cosmopolita, na literatura de boulevard.
O mergulho nesse cenário francês é importante para compreender os padrões culturais do Estado nacional brasileiro que se estabeleceu no início do século XIX, mas deve ser feito com muito cuidado, pois há o risco de produzir-se uma fetichização que construa uma espécie de história/monumento. Quanto a essa questão devemos ter a clareza de que as forças sociais que emergiram no século XIX lançaram mão de distintas ferramentas para a execução dos seus projetos.
Desde os primeiros anos do século XVI, os franceses alimentavam um imaginário edênico em relação ao território brasileiro. Em 1555, ao fundar a França Antártica na Baía de Guanabara, o vice-almirante da Bretanha, Nicolas Durand de Villegagnon, abriu espaço à estratégia do almirante Coligny que pretendia estabelecer colônias protestantes no Brasil. Na primavera de 1557 ele recebeu um contingente de refugiados huguenotes que pedira em 1556 a Jean Calvin, já que necessitava de bons cristão para povoar a colônia.
Os franceses viam o Brasil como ilhas nas quais os canibais carregavam pérolas e lingotes de ouro, seda crua e pedras preciosas. Eram tantas as fantasias dos franceses em torno do Brasil que, em 1550, os burgueses armadores de Rouen organizaram uma festa em homenagem a Henrique II que tinha os indígenas brasileiros como principal motivo. Eles reuniram 300 homens completamente nus representando uma tribo para a qual montaram um cenário que reconstituía a floresta brasileira e sua fauna. A festa era em regozijo pelo triunfo dos franceses sobre a Inglaterra em Bolonha. Os burgueses armadores de Rouen pretendiam, e conseguiram, fazer com que Henrique II voltasse atrás na decisão que tomara em 20 de outubro de 1547, ao proibir os seus súditos de viajarem nas rotas do rei de Portugal e nas terras descobertas pelos portugueses. O espetáculo de Rouen foi tão bem sucedido que os franceses voltaram a repeti-lo nos anos de 1564 e 1565, quando Carlos IX entrou, respectivamente, em Troyes e Bordeaux.
Foram todas essas visões brasileiras, a partir do século XVI, alimentadas pelos relatos de viajantes franceses que estimularam as várias missões e o imaginário francês sobre o Brasil. Era o discurso de quem conhecera o paraíso. Em 1613, antes de morrer no Brasil, o padre Arsène de Paris escreveu uma carta na qual fez o seguinte relato: “Quanto ao país, é muito bom, muito fértil, não existe frio jamais, mas um contínuo verão, as árvores são sempre iguais, pois o sol se levanta todo o tempo às seis horas, estamos somente a dois graus e meio da linha equinocial. Dizem que há muitas riquezas neste país, como mina de ouro, âmbar cinzento, pérolas, depois existe muito algodão, muito tabaco e pretende-se fazer açúcar: em resumo, eu vos asseguro que quando estivermos um pouco estabelecidos aqui, nos encontraremos em um pequeno paraíso terrestre onde teremos todo tipo de contentamento”. Em documentos produzidos no século XVII pelos padres capuchinhos franceses Claude d’Abeville e Yves d’Évreux, há uma patente admiração diante das riquezas localizadas no território brasileiro, acentuando a produção de açúcar, as pedras preciosas e as minas de ouro.
À medida que se processaram no Brasil as alterações políticas e o que o país foi buscando a sua identidade, também se alterou a representação que faziam os franceses do território. O projeto de ocupação militar como mecanismo de apropriação das riquezas presente nas entrelinhas dos primeiros relatos, cedeu espaço ao projeto de ocupação cultural, através da análise do distanciamento entre os brasileiros e os franceses.
Foi em nome do estabelecimento de padrões culturais no Brasil que o país recebeu, em 1820, a missão de artistas franceses e fundou a Escola de Belas Artes. Também do início do século XIX foi o projeto de organização do ensino brasileiro apresentado por Garção Stockler, amplamente enciclopedista e inspirado na proposta francesa de reforma concebida por Condorcet. Posições como as de Garção Stockler sobre política educacional foram defendidas ao longo de todo o século XIX por intelectuais brasileiros para os quais o Brasil necessitava assumir os valores vigentes na Europa Ocidental, particularmente na França, como fazia o frei Francisco Monte Alverne, ao discutir as necessidades da instrução pública, apontando que o problema da modernização do Brasil remontava à luta para libertar a nação do colonialismo português. A Metrópole não queria homens sábios em suas colônias. Era à custa de esforços inauditos que os brasileiros podiam distinguir-se. Restava um meio fácil de promover o nosso adiantamento: o estudo da língua francesa. O jovem orador brasileiro era condenado a ficar na obscuridade, estudando os oradores portugueses, cujos seminários eram comuns entre nós, ou procurar na leitura dos pregadores franceses as inspirações de que carecia para ilustrar o seu espírito.
Observações sobre a necessidade de a França intensificar sua influência cultural sobre o Brasil foram feitas de modo muito claro entre os anos de 1876 e 1877 pelo diplomata francês Maurice Ternaux-Compans, através da correspondência que enviou do Rio de Janeiro ao Duque de Decazes, ministro dos negócios estrangeiros da França: “Pode-se dizer dos povos, como dos homens, que sua natureza individual se resume em um terço saliente de caráter cuja ação exerce-se sobre sua maneira de ser geral e imprime-lhe a fisionomia que lhe é própria. No Brasil, o observador atento reconhecerá facilmente que esse traço individual cujas conseqüências encontram-se tanto na vida pública como na vida privada, consiste em sua vaidade excessiva, que paralisa em seu germe o desenvolvimento material e intelectual que se estaria no direito de esperar de uma nação tão bem dotada sob outros aspectos, e à qual a providência dotou de uma das mais maravilhosas regiões que se possa ver. Sua inteligência natural permite ao brasileiro, é verdade, apreciar em uma certa medida o estado de inferioridade na qual enlanguesce, mas o amor próprio que o domina impede-lhe de chamar em seus socorro a ajuda do estrangeiro, do qual teme a crítica e a influência. Confiante na capacidade de assimilação que lhe é própria, fia-se em suas próprias forças e crê poder assegurar, por si mesmo, a seu país, o estado de prosperidade que entrevê nos povos da velha Europa. Não lhe diga que sua existência social mal remonta a meio século, que o estado atual de seu país não comporta as inovações da civilização européia: ele responderá que em um período de duração um pouco mais considerável os ianques souberam colocar os Estados Unidos no nível das grandes potências, sem se dar conta que as qualidades de energia e de perseverança inerentes aos homens da Nova Inglaterra estão ausentes dele. Para chegar ao fim de seus desejos, ele concebe mil projetos diversos, que só recebem, em geral, um começo de execução. Como todo indivíduo cujos conhecimentos não se assentam sobre uma base sólida, ele é versátil e inconseqüente, e desencoraja-se ao primeiro obstáculo que encontra, oferecendo constantemente o espetáculo de um homem cuja habitação teria sido algo um pouco deteriorada por uma onda, ao invés de repara-la iria construir uma outra habitação ao lado”.
Como essa, são muitas as outras observações feitas pelo diplomata francês no Rio de Janeiro durante a segunda metade do século XIX. Uma outra que vale a pena ser reproduzida aqui, diz respeito a mulher brasileira: “A brasileira é mais baixa que alta, e geralmente magra. Seu rosto não tem nenhum frescor, seus olhos não têm nenhuma douçura. Ela se aplica, aliás, a dar ao seu rosto uma expressão de desenho e de dureza, que acaba por retirar todo o charme de sua fisionomia geral. Seu gosto pelas cores fortes imprime à sua figura um selo de mau gosto. Ela busca aproximar-se dos modos parisienses, que são considerados em todo o país como critério de elegância, mas, desprovidas de medida, desnaturam-nos, exagerando-os. O retrato que se poderá achar um pouco sereno, só se aplica, em meu pensamento, às mulheres de classe média, pois entre as damas da alta sociedade, cuja maioria esteve na França, há muitas que rivalizam em elegância com nossas parisienses mais cuidadosas com suas roupas”.
Idêntica era a visão que tinham do Brasil, no mesmo período, intelectuais franceses que propuseram a vinda de trabalhadores do seu país para colônias que se formavam na Província de Santa Catarina. Um membro da Sociedade de Geografia da França escrevia em 1857 que “estudados no estado primitivo, os brasileiros são doces, sóbrios, hospitaleiros, afáveis; são igualmente aptos para as artes liberais e as artes mecânicas, apesar de que sua indolência de corpo e espírito possa ser atribuída à ação do clima, assim como aos preconceitos criados pela escravidão; tudo leva a crer que esta indolência é um defeito inerente à nossa raça latina”.
Buscar reler as relações culturais entre o Brasil e a França no século XIX é tentar compreender as contradições que gestaram o moderno no Brasil. A questão da estabilidade democrática e de dados como a liberdade de imprensa no Brasil do século XIX foram elementos freqüentes nas anotações de vários estrangeiros que viajaram pelo país ou que viveram em algumas cidades brasileiras. A correspondência do citado diplomata francês Maurice Ternaux-Compans é outra vez um bom exemplo pontilhado por observações dessa natureza. Ele afirmava que a imprensa brasileira da sua época desconhecia a censura, as advertências e a suspensão do direito de expressão.
Elevado pela intelectualidade brasileira a condição de modernizador do Brasil, o pensamento francês fez com que os brasileiros incorporassem as bases necessárias ao desenvolvimento, entre nós, do Romantismo. A estética e o conteúdo deste movimento literário contaminaram o Brasil desde as primeiras décadas do século XIX e, como moderno, apresentou-se com uma enorme capacidade de auto-renovação permanente. Foi sob a égide do Romantismo, é importante lembrar, que a intelectualidade brasileira desenvolveu as suas interpretações anti-clericais e viu consolidar-se o pensamento liberal. Entre nós o Romantismo foi efetivamente uma forma de combate assumida pelo liberalismo na sua luta contra as tendências conservadoras católicas. No Brasil foi a intelectualidade romântica que discutiu e defendeu a maturidade e o aprofundamento das tentações republicanas, democráticas, abolicionistas e nacionalistas. Foram tais tentações que levaram os românticos brasileiros a articularem uma crítica consistente da sociedade, das instituições e da política nacional brasileira. Essa crítica rejeitava os vínculos portugueses e abdicava de um passado no qual era dominante a presença da herança lusitana, tal como, segundo Francisco da Gama Caeiro, “do mesmo modo, antes, Verney, contrariando a vigência da mediação latina do pensar filosófico, propusera o idioma francês, como via de acesso aos autores que importava cultivar na filosofia”.
É possível analisar manifestações como o Romantismo, na França e no Brasil, procurando situa-lo como a primeira crítica radical e consistente que a sociedade capitalista efetivamente sofreu. Para se compreender a dimensão de tal crítica é necessário que se opere uma diferenciação quanto às múltiplas dimensões do Romantismo. O Romantismo não foi um movimento de sentido único. No caso brasileiro, há indicadores factíveis de haver o Romantismo posto para as nossas elites o dilema da decisão entre Monarquia e República, posto que cria-se ser a República a única saída que viabilizava a entrada das ex-colônias americanas no modelo de modernidade que o liberalismo europeu gestara. No caso brasileiro o Romantismo veio a ser, assim, claramente, a racionalização das forças condenadas pela modernidade capitalista. Daí ser fundamental lançar-se sem posições prévias à leitura do Romantismo brasileiro e operar conscientemente com a idéia da existência, entre nós, de românticos regressivos e românticos não-regressivos para perceber a força de tal movimento.
O Romantismo em suas correntes hegemônicas européias foi antiliberal. Todavia, da mesma forma que o Positivismo no Brasil pregou o final da guerra e ganhou feição diversa da que possuía na Europa, também o Romantismo, entre nós, foi tendencialmente não-regressivo e combateu firmemente a influência de uma certa percepção do Romantismo fundado na Escolástica, principalmente quando esta buscava constituir o caráter nacional baseando-se na religiosidade.
Assim como não seria possível pensar em um Romantismo europeu na sociedade medieval, é necessário adquirir a clareza de que foram os dilemas da necessidade de busca de um modelo brasileiro de modernidade que liberaram as forças criadoras que o Romantismo anunciou no Brasil. O Romantismo francês que foi transposto para o Brasil teve um papel criador da maior importância. Se a marca que o Romantismo francês deixou na memória foi a de um movimento conservador, é fundamental observar que ele teve nas suas origens um conteúdo revolucionário.
O Romantismo influiu diretamente no comportamento e nos hábitos familiares, à medida que os projetos hegemônicos, que durante todo aquele século foram sustentados pela França, fizeram com que o intenso comércio entre o Brasil e aquela nação levasse ao estabelecimento de símbolos claros de status social do período. Era hábito das famílias mais ricas fazerem viagens de férias à França, viajando em navios a vapor de passageiros, e consultar-se com médicos parisienses.
No Brasil, o Romantismo se voltou ao trabalho de criar um conceito de nação no plano cultural. Gonçalves de Magalhães efetivamente introduziu a discussão do problema de uma cultura nacional. Dessa influência surgiram autores como Teixeira e Souza e Joaquim Manoel de Macedo – não apenas o de A Moreninha, mas principalmente o de Memórias da Rua do Ouvidor e também de Memórias do Sobrinho do Meu Tio, textos fundamentais para a compreensão da cultura brasileira. Assim, no Brasil, o Romantismo efetivamente consolidou um projeto de cultura nacional que não estava posto em sua plenitude. O Romantismo tem desta forma, entre nós um outro reflexo. Não é revolucionário, mas é basicamente nacionalista e proporcionou bases essenciais para a formação da nacionalidade.
A França foi, no Brasil do século XIX, o centro do saber moderno. Era nesse espelho que a modernidade brasileira buscava forjar a própria imagem. Era em universidades francesas que, cada vez mais, os brasileiros buscavam a formação, uma vez que demandavam cada vez menos as universidades portuguesas. Sob a influência dessa formação francesa, a intelectualidade brasileira, a partir do Romantismo, reclamava cada vez mais o direito de expressão em uma língua portuguesa que mais pudesse ser chamada de brasileira. Língua na qual estivessem incorporadas vozes indígenas e africanas, como já o fazia, desde o século XVII Gregório de Matos, “sob esse aspecto o primeiro escritor verdadeiramente nacional”, segundo João Ribeiro. Era uma modernidade que encontrava expressão nas apenas em trabalhos de Gonçalves de Magalhães, Teixeira e Souza e Joaquim Manoel de Macedo, mas também em Porto Alegre, Gonçalves Dias e José de Alencar que, com seu indianismo, assumiam uma espécie de Romantismo “sem Idade Média”, através do qual ficava bem clara a divergência entre a língua portuguesa dos portugueses e a dos brasileiros.
es como o Romantismo, na França e no Brasil, procurando situ no sestabeleceunte, uma lei de estilo para todos os que escreviam. Enxergando, no século XIX, a força do espelho francês é possível perceber como as regras de entrada do Brasil na modernidade efetivamente foram traçadas pelos brasileiros com base em padrões definidos a partir da França. Processo que ganhou transparência na titânica luta do Segundo Império para libertar-se das forças coloniais que comiam as suas próprias entranhas.
As representações que a historiografia republicana fez acerca do século XIX procuram demonstrar que a cultura brasileira naquele período conseguira, afinal, deslocar-se do campo de influência dos jesuítas para o da língua e literatura francesas.
Para a produção do seu modelo explicativo de Brasil, a geração de intelectuais que emergiu a partir do movimento republicano buscou o pensamento do francês Augusto Comte, a fim de consolidar a representação que fazia do Estado republicano o Estado Positivo comteano. O Estado Republicano foi uma utopia de inspiração francesa que se propunha a oferecer toda a sorte de políticas públicas que faziam falta ao status político anterior.
A idéia de que na Europa a França era um espelho civilizatório no qual o Brasil deveria mirar-se, que foi difundida pelos franceses que entre nós estiveram, foi marcante no projeto dos republicanos brasileiros. Sempre que a ocasião o pedia, tal mito era reavivado. Intelectuais republicanos brasileiros como Virgílio de Sá Pereira diziam ser natural que “onde estiver a França estejam os nossos votos. Nós estamos compreendidos na zona de civilização que o seu gênio senhoreou, ela é líder da latinidade no mundo, dessa latinidade em que se plasmou a nossa alma. É o próprio instinto de conservação que nos impele a defender a cultura latina, porque é sob essa fisionomia que somos alguém, que constituímos uma individualidade, e a psicologia não é aí nenhum guarda-roupa onde possamos trocar o nosso eu, como mudamos de camisa”.
Foi o fermento da modernidade francesa que se expandiu a partir da revolução de 1789 que possibilitou aos modernos brasileiros dos séculos XIX e XX a reivindicação de que a cosmovisão difundida a partir da França fosse considerada o único caminho possível ou desejável a todos os povos e culturas, expressão de progresso.
Foi sobre esse sedimento que se fez desaparecer os vestígios das origens coloniais da chamada cultura brasileira. Afinal, para o Brasil, a medida do moderno estava dada pelo espelho francês.

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