domingo, 27 de setembro de 2009

O MDB DE SERGIPE E A REORGANIZAÇÃO DA UNE

O debate que se formou em torno da redemocratização do Brasil estimulou a bancada do MDB na Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe a colocar em pauta a discussão a respeito da reorganização da UNE, a União Nacional dos Estudantes, em 1979, quase 11 anos depois do malogrado Congresso de Ibiúna. A UNE estava desarticulada desde 1968, depois que as suas principais lideranças foram presas durante aquele Congresso realizado no Estado de São Paulo.
À época, foi muito importante a ação do MDB na defesa dos estudantes que foram presos durante a realização do XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes na clandestinidade, a UNE, em Ibiúna. Em 1979, não era a primeira vez, sob a ditadura militar inaugurada em 1964, que os estudantes brasileiros buscavam reorganizar a sua entidade. A ditadura militar colocou a União Nacional dos Estudantes na clandestinidade, logo após a derrubada do governo João Goulart. A entidade, contudo, foi reorganizada em 1966, durante um congresso realizado clandestinamente na cidade de Belo Horizonte. Assim, em 1967 os estudantes intensificaram as manifestações contra a ditadura, evidenciando o elevado número de excedentes nos concursos vestibulares; as contradições do acordo MEC-Usaid; as prisões e cassações de políticos e sindicalistas; e, a censura. Do mesmo modo, cresceu a pressão de grupos de direita contrários a reorganização do movimento estudantil brasileiro. No dia 27 de outubro de 1967, 300 alunos da Universidade Mackenzie, em São Paulo, armados com porretes, socos-ingleses e pedaços de pau, atravessaram a rua Maria Antônia para impedir a realização das eleições da União Estadual dos Estudantes, que aconteciam na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. 16 dirigentes da UEE resistiram ao ataque até a chegada da polícia. As autoridades policiais não molestaram nem fizeram qualquer questionamento aos alunos do Mackenzie e recolheram os dirigentes da UEE às celas do Departamento de Ordem Política e Social – o DOPS.
No ano de 1968, portanto, o Congresso de Ibiúna se realizou sob a tensão política dominante no Brasil daquele período e, ao mesmo tempo, embalado pelo clima libertário que se observava na juventude estudantil de vários outros países, como a França, onde as rebeliões de Paris chamaram a atenção do mundo inteiro; ou os Estados Unidos da América, onde os estudantes se reuniram na cidade de Washington, para exigir o fim da guerra do Vietnã.
Durante o Congresso de Ibiúna, Sergipe teve uma numerosa representação de delegados. As tratativas para a participação dos estudantes que representavam Sergipe foram feitas através dos contatos com José Carlos Novais da Mata Machado, diretor da UNE responsável pela relação da entidade com os líderes estudantis sergipanos. À época, o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Sergipe era presidido por João Augusto Gama da Silva, que liderou, juntamente com Wellington Mangueira, uma delegação de 10 sergipanos: João Augusto Gama da Silva, Benedito de Figueiredo, Wellington Dantas Mangueira Marques, Antonio Vieira da Costa, José Alves do Nascimento, João Bosco Rollemberg Cortes, Janete Correia de Melo, José Jacob Dias Polito, Elza Maria dos Santos e Laura Maria Tourinho Ribeiro.
A viagem se tornou viável com a ajuda financeira que os estudantes conseguiram receber do industrial Joaquim Sabino Ribeiro Chaves, proprietário da Fábrica de Tecidos Confiança, do deputado Jaime Araujo e do arcebispo de Aracaju, Dom José Vicente Távora. Também foi importante a campanha de arrecadação de fundos organizada pelos estudantes, respaldada pelo manifesto que os universitários sergipanos publicaram:


A realização do XXX Congresso representa mais um passo dado na luta do estudante brasileiro contra as forças de opressão, de obscurantismo e do reacionarismo, nessa hora em que a ditadura mostra sua verdadeira face, tentando impor uma Universidade a serviço de imperialismo norte-americano através de uma universidade alienada e empresarial, reprimindo a luta dos trabalhadores por melhores salários, permitindo a venda do território nacional a norte-americanos, dando cobertura ao grupo de entreguistas, tendo a frente o Sr. Roberto Campos que tem abertamente lutado, inclusive pela extinção do monopólio estatal do petróleo[i].


Realizado na clandestinidade, o Congresso foi descoberto pelos agentes da ditadura e todos os delegados foram presos, no dia 11 de outubro, e conduzidos para o Presídio Tiradentes, na cidade de São Paulo.


Logo depois que saímos de Ibiuna, dentro do ônibus que nos conduzia para o Presídio Tiradentes, lembrei que estava com a minha carteira de funcionário do Ministério do Trabalho, onde eu era auxiliar de datiloscopista, e joguei fora, porque eu não queria ser identificado como funcionário público. Em tal condição eu seria considerado muito perigoso[ii].


Mais de mil estudantes foram presos, inclusive as principais lideranças estudantis brasileiras: José Dirceu, presidente da UEE de São Paulo; Luís Travassos, da UNE; Vladimir Palmeira, da União Metropolitana dos Estudantes do Rio de Janeiro; Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, da União Paulista dos Estudantes Secundaristas. Estes foram levados diretamente para o DOPS
Presos, os estudantes fizeram greve de fome, como forma de pressionar o governo a libertar o grupo o quanto antes. Muitas mães dos cerca de mil estudantes de diferentes Estados brasileiros se concentravam diariamente às portas do Presídio Tiradentes, ao lado de jornalistas da imprensa nacional e estrangeira, denunciado a arbitrariedade das prisões e exigindo a libertação dos filhos. Sergipe foi um dos poucos Estados no qual o governador não articulou a sua Polícia Militar para recolher os estudantes presos e transportá-los de volta. Em função do Congresso de Ibiúna, os estudantes sergipanos responderam a processo na Auditoria Militar do Estado da Bahia, assistidos pela advogada Ronilda Noblat. O processo dos estudantes sergipanos foi julgado alguns anos depois pela Auditoria Militar do Estado da Bahia. Nesse período, José Carlos Teixeira, acompanhado de Alvarim Mangueira e Laura Ribeiro Marques buscou o comandante do 28 BC em sua residência, para solicitar informações sobre a situação processual dos estudantes sergipanos e informá-lo de que faria o acompanhamento dos fatos, comunicando tudo ao Congresso Nacional.
Na prática, as prisões de Ibiúna encerraram o período mais forte das manifestações estudantis no Brasil, mas contribuíram para fortalecer as organizações clandestinas que atuavam na luta armada: estima-se que mais de 30% das pessoas que foram processadas por ligação com as esquerdas armadas eram estudantes.
Em 1979, o tema da reorganização da UNE foi levantado na Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe por Jonas Amaral, ao sugerir que o parlamento estadual enviasse dois observadores ao Congresso que aconteceu em Salvador, a partir do dia 29 de maio, com o objetivo de reorganizar a instituição. A Assembléia rejeitou a proposta do deputado emedebista que, todavia, leu em plenário uma “Carta Aberta” dos estudantes de Sergipe. Além do debate levantado no parlamento estadual, também na Câmara Municipal de Aracaju o vereador Genelício Barreto hipotecou solidariedade aos estudantes. De todo modo, causou estranheza à bancada do MDB e repercutiu muito mal na Câmara de Aracaju e na Assembléia Legislativa o fato de, no mesmo dia da abertura do Congresso, as polícias Militar do Estado de Sergipe e Rodoviária Federal fazerem blitz na saída da cidade de Aracaju. Os policiais pararam todas as kombis que passavam transportando estudantes, pedindo a identificação de cada um deles. A delegação sergipana tinha 66 estudantes que viveram as tensões do encontro desde a saída da capital sergipana e durante todo o evento. “Segundo um dos participantes, apagaram a luz, jogaram pó de vidro no ambiente dos debates, entre outras hostilidades”[iii].


[i] Cf. Gazeta de Sergipe, Ano XIII, nº. 3.868, 6 e 7 de outubro de 1968. p. 2.
[ii] Cf. FIGUEIREDO, Benedito de. Entrevista concedida a Jorge Carvalho do Nascimento no dia 13 de agosto de 2008.
[iii] Cf. DANTAS, Ibarê. A tutela militar em Sergipe, 1964/1984: partidos e eleições num Estado autoritário. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 264.

2 comentários:

  1. Gostei muito do artigo,sou estudante de pedagogia e tenho que fazer um trabalho sobre UNE p/ Historia da Educação, gostaria de indicação de textos científicos/ artigos para me auxiliar na pesquisa.

    Obrigada

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  2. Safi:
    Sugiro os seguintes textos básicos:

    ARANHA, Carla. “A ditadura apresenta as suas armas”. In: Aventuras na História: Ditadura no Brasil – Tudo sobre o regime militar de 1964 a 1985. São Paulo: Editora Abril, 1984.

    COSTA, Luiz Eduardo. “O patrimonialismo e a revolução redentora”. In: Jornal do Dia, 1º de março de 2009. p. 9.

    MEIGUINS, Alessandro. “Estudantes partem para a violência nos protestos de 1968”. In: Aventuras na História: Ditadura no Brasil – Tudo sobre o regime militar de 1964 a 1985. São Paulo: Editora Abril, 1984.

    ___________. “O horror: nos porões, a tortura era considerada necessária para derrotar o inimigo e a morte virava acidente de trabalho”. In: Aventuras na História: Ditadura no Brasil – Tudo sobre o regime militar de 1964 a 1985. São Paulo: Editora Abril, 1984.

    PARRON, Tamis. “A cara e a coroa: herança dos militares tem altos e baixos”. In: Aventuras na História: Ditadura no Brasil – Tudo sobre o regime militar de 1964 a 1985. São Paulo: Editora Abril, 1984.

    ___________. “Anistiados no poder: exilados retornam com lei da anistia e chegam ao poder pelo voto em 1982”. In: Aventuras na História: Ditadura no Brasil – Tudo sobre o regime militar de 1964 a 1985. São Paulo: Editora Abril, 1984.

    ARAUJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro, não (Música popular cafona e ditadura militar). São Paulo: Record, 2003.

    COELHO, Tânia. História da UNE. Volume 1: depoimentos de ex-dirigentes. São Paulo: Editorial Livramento, 1980.

    D’ARAUJO, Maria Celina ET alii (Org). Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.

    GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

    __________. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

    __________. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

    ___________. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

    GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1998.

    POERNER, Arthur José. O poder jovem: História da participação política dos estudantes brasileiros. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

    REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

    SANFELICE, José Luís. Movimento estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64. São Paulo: Cortez Editora/Autores Associados, 1986.

    SKIDMORE, Thomas e SILVA, Mario. Brasil: de Castello a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

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