segunda-feira, 26 de julho de 2010

REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DA MEDICINA EM SERGIPE - III

Quando em Sergipe todos acreditavam que cólera era um problema superado, a Província voltou a conviver outra vez com tal problema. Em agosto de 1862 uma nova epidemia teve início em Própria e se alastrou por toda a região do Baixo São Francisco. Um dos primeiros óbitos dentre os registrados foi o do juiz de direito propriaense, Antonio Rodrigues Navarro de Siqueira. As providências para debelar o mal foram adotadas imediatamente, com a nomeação dos médicos Thomaz Diogo Leopoldo e Manoel Antunes Salles, a fim de que estes enfrentassem o problema na cidade ribeirinha (SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. São Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe,1997. [Dissertação de Mestrado]. p. 77). A estimativa do presidente da Província, Jacinto José de Oliveira, indica que desta vez o cólera matou cerca de 5.500 pessoas. Antonio Samarone de Santana afirma que no caso da epidemia de 1862, o governo da Província adotou o modelo da Polícia Médica . Os médicos Francisco Sabino Coelho Sampaio, Guilherme Pereira Rebello e José João de Araújo Lima integraram uma comissão responsável por tal política, implementaram ações vigorosas e distribuíram, por toda a Província “uma publicação contendo diversas instruções, conselhos e receituários para o tratamento da Cholera Morbus, sendo vastamente distribuída às autoridades, às comissões sanitárias dos distritos médicos, aos proprietários e fazendeiros da Província” (SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. São Cristóvão, Universidade Federal de Sergipe,1997. [Dissertação de Mestrado]. p. 77-78).
Os primeiros registros a respeito de práticas científicas contra as epidemias em Sergipe remetem para o ano de 1826, com vacinações contra a varíola que ocorreram em Estância. Dez anos depois, em 1836, a vacinação em Sergipe já era obrigatória. A regulamentação previa “que as Câmaras possuíssem um médico, ou um cirurgião de partido, e na falta deles, um curioso, que nos primeiros e terceiros domingos de cada mês, e na casa da Câmara, se ocupassem da vacinação gratuita” (SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe,1997. [Dissertação de Mestrado]. p. 27). Contudo, havia por parte da população uma grande resistência em receber a vacina.
A varíola ou peste das bexigas incomodou a Província de Sergipe ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Há epidemias registradas nos anos de 1826, 1845, 1858, 1859, 1872, 1873, 1874, 1882, 1883, 1887, 1888, 1895, 1896, 1902, 1911 e 1912. Uma das dificuldades para combater a doença era o próprio método de vacinação, descoberto em 1798 pelo médico inglês Edward Jenner. A linfa vacínica era extraída do úbere das vacas. O método “mais empregado consistiu na ‘variolização’, isto é, na transmissão do ‘pus vacínico’ de braço a braço” (SANTOS Filho, Lycurgo. História Geral da Medicina Brasileira. Vol. 1. São Paulo: Editora da USP, 1977. p. 514). O pus vacínico era distribuído em lâminas e, na falta destas, era inoculado em crianças e posteriormente retirado destas para imunizar as outras pessoas. A vacina não conseguiu evitar que em 1845, na Província de Sergipe, começasse a ocorrer uma nova epidemia da peste das bexigas.
Além da vacina, a propagação da doença era combatida através do isolamento dos doentes em lazaretos, do enterramento dos defuntos variolosos em covas com mais de um metro e meio de profundidade e a desinfecção das casas nas quais faleciam variolosos ( SANTANA, 1997: 67). A epidemia dos anos de 1887 e 1888 fez com que o presidente da Província dividisse a cidade de Aracaju em quatro distritos sanitários, designando um médico como responsável por cada um deles: Álvaro Telles de Menezes, Daniel Campos, Olyntho Rodrigues Dantas e Ladislao Antonio Pereira Barreto. Afinal, esta epidemia matou mais de duas mil pessoas, somente em Aracaju. Sergipe voltaria a conviver com uma nova epidemia de varíola nos anos de 1911 e 1912. Desta vez, as cidades mais atingidas foram Laranjeiras, Própria, Itabaiana, Aquidabã, São Paulo, Nossa Senhora das Dores, Divina Pastora, Estância, Riachuelo, Maruim, Capela, São Cristóvão, Itaporanga d’Ajuda e Aracaju. Segundo os relatórios do Inspetor de Higiene Batista Itajay, morreram 2.817 pessoas.
O vapor Santelmo, que atracou em Aracaju no ano de 1895, trouxe com os seus passageiros uma nova epidemia de varíola que durante aquele ano e o de 1896 atacou os habitantes de Aracaju, Estância, Simão Dias, Riachão do Dantas e Itaporanga d’Ajuda. A violência de epidemias como esta e outras, a exemplo da malária que ocorreu também no ano de 1896 era sentida até no centro do poder local. A própria esposa do presidente do Estado, Joaquina Valadão, foi vitimada pela malária, em março de 1896, mesmo acompanhada por sete médicos. Em 1899, a cidade de Itabaiana voltou a ser atacada, desta vez por uma epidemia de febre palustre .
Entre os anos de 1902 e 1905 os sergipanos foram atacados pela peste bubônica. Todos os médicos que atuavam em Aracaju foram convocados pelo Inspetor de Higiene para uma discussão acerca do problema. O Instituto Soroterápico Federal enviou doses da vacina anti pestosa. Foi criado um lazareto para isolar os doentes, as residências dos atingidos foram expurgadas, ambientes coletivos como ruas escolas e quartéis foram desinfetados, foi realizada limpeza nas embarcações para exterminar os ratos, as pessoas foram orientadas a proceder a limpeza das residências para eliminar as pulgas, o mercado de Aracaju e o “Beco do Açúcar” foram evacuados e foi estabelecido um passaporte sanitário com o objetivo de controlar o trânsito dos doentes (SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe,1997. [Dissertação de Mestrado]. p. 114). Na primeira década do século XX a tuberculose foi uma doença que se agravou bastante em Aracaju.
Das epidemias pestilenciais, ao que parece, o último grande surto aconteceu em 1918, quando o Estado foi atacado pela gripe espanhola.


Em 20 de outubro de 1918 desembarcam do ‘Vapor Itapacy’ seis pessoas contaminadas pelo referido mal. Logo que chegou ao conhecimento do Diretor de Higiene, essas pessoas foram removidas para o Lazareto Público, mas já era tarde. Em 04 de novembro o mal já havia se espalhado pelo Estado, sendo a primeira vítima fatal Georgina de Jesus, negra de 25 anos e residente na rua de Campos, em Aracaju (SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe,1997. [Dissertação de Mestrado]. p. 120).


O combate a moléstia mobilizou não apenas o governo, mas também organizações da sociedade civil: Maçonaria, Associação Comercial, Cruz Vermelha, fábricas de tecidos e a Compagnie des Chemins de Fer, além de médicos, farmacêuticos e clérigos que aderfiram voluntariamente ao combate. Toda a rede escolar foi fechada, houve distribuição de medicamentos e alimentos e desinfecção de casas, ruas e praças. Em pouco mais de três meses, a gripe espanhola matou 997 pessoas em Sergipe.
No século XIX e no início do século XX, além da varíola, as epidemias de febre amarela, malária, peste bubônica e febres intestinais incomodavam com freqüência a população de Sergipe. Mas também eram recorrentes endemias como reumatismos, afecções catarraes, oftalmias, bronquites, disenterias, sarampo, coqueluche, sarna e tuberculose, apesar desta última não ser à época identificada como um problema de saúde pública.Os relatórios dos inspetores de saúde dos anos oitocentos registram ainda outras ocorrências muito incidentes: tétano umbilical, congestão cerebral, anasarca, coqueluche, ascite, metrite e sífilis. Muitos profissionais médicos publicavam anúncios nos quais se apresentavam como especialistas em febres. O pesquisador Antônio Samarone de Santana afirma que a vida média dos sergipanos era de 30 anos e a mortalidade infantil era superior a 50 por cento (SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe,1997. [Dissertação de Mestrado]. p. 68-70).
Era comum que a saúde pública indicasse como determinante das várias afecções mórbidas “a má qualidade da água potável; a precariedade da alimentação; as emanações miasmáticas dos poços, charcos e alagadiços; e os eflúvios deletérios dos corpos em putrefação” (SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe,1997. [Dissertação de Mestrado]. p. 68). O conhecimento científico vigorante, fundado sob a teoria miasmática, responsabilizava a falta de ordenamento urbano pelos problemas que eram dados à ciência médica resolver. Por isto, era necessário disciplinar o funcionamento dos matadouros, açougues, cemitérios, fontes públicas, prisões, hospitais, habitações e pântanos, além da imundície das ruas (SANTANA, Antonio Samarone de. As febres do Aracaju: dos miasmas aos micróbios. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe,1997. [Dissertação de Mestrado]. p. 69).

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