sábado, 24 de julho de 2010

REFLEXÕES SOBRE A HISTÓRIA DA MEDICNA EM SERGIPE

O caráter científico da Medicina foi durante muito tempo objeto de polêmica. No século XVI, com Philippus Aureolus Theaphrastus Paracelso, se acentua o debate que tenta descobrir se o saber médico clássico era apenas uma técnica preocupada com os modos de curar ou se era efetivamente uma ciência, preocupada em explicar teoricamente a doença. O debate era polêmico


porque poucas áreas do conhecimento haviam avançado e se intrometido tanto no território das outras ciências. Num processo que começou muitos séculos antes de Paracelso, saberes farmacêuticos, alquímicos, astrológicos/astronômicos (que eram equivalentes), e até mineralógicos e meteorológicos, cresciam à sombra da medicina e pelas mãos de médicos (ALFONSO-GOLDFARB, 1994: 20).


Paracelso rejeitou toda a tradição médica clássica européia herdada de Hipócrates desde o século V antes de Cristo e pregou a construção de uma nova medicina, com caráter científico. Desconsiderou as contribuições da medicina romana, com Galeno no século II, e da medicina islâmica, com Avicena no século X, buscando sepultar as práticas da chamada medicina humoral. Chegou a queimar os livros de Galeno e Avicena em praça pública, afirmando que eram necessários apenas dois livros: a Bíblia e o livro da natureza. A leitura deste último dar-se-ia pela observação rigorosa dos fenômenos naturais. Era através da observação da natureza, entendia Paracelso, que seria possível encontrar cura para os males que assolavam a saúde dos europeus naquele período: a sífilis e as feridas provocadas pela pólvora das armas de fogo inventadas no século XV. Diferente da medicina humoral que defendia a doença como resultante do desequilibro interno do corpo, Paracelso afirmava que as agressões à saúde eram provocadas por fatores externos para os quais o corpo não possuía defesa. Assim, quando o organismo era agredido por veneno o melhor método de cura seria a ingestão de uma pequena dose do veneno, a fim de que o corpo se apropriasse dos elementos que o agrediam e reagisse. Enquanto a medicina humoral afirmava que a cura era produzida pelos contrários, na medicina de Paracelso os iguais é que curavam.
Dentre as novidades que Paracelso anunciava estava a proposta de valorização dos conhecimentos do campo da então chamado Filosofia Química. Todavia, o uso da Iatroquímica ou Química Médica data do século X, quando foi amplamente explorado pelo médico e alquimista muçulmano Razes. Ademais a idéia de que os iguais curam os iguais, conhecida como medicina popular, já havia sido explorada também anteriormente a Paracelso, pelo médico valenciano Arnaldo de Villanova. Não obstante esses antecedentes, Paracelso foi expurgado do campo do saber médico do seu tempo.
Durante o século XIX, sob o influxo da teoria comteana e do desenvolvimento tecnológico da microscopia, possibilitando os estudos da microbiologia, ciências como a Medicina ganharam uma nova significação social.
A ciência médica é estudada aqui principalmente como prática de saúde pública, prática social relativa a padrões culturais que se modificam no tempo e no espaço. A medicina como prática de saúde pública se expandiu de modo significativo ao longo do século XIX em face dos avanços científicos da Biologia,


ou mais precisamente, a descoberta dos microorganismos e suas relações com as causas das doenças. A atuação da medicina, ao identificar uma causa material, os mecanismos de transmissão e as novas formas de combate às doenças, sai do campo puramente especulativo e suas ações passam a possuir uma eficácia comprovada no combate as Pestes (SANTANA, 1997: 5).


A prática da Medicina em Sergipe durante o século XIX encontrava dificuldades que diziam respeito ao pequeno número de profissionais e a dificuldade para obtenção de medicamentos. O pesquisador Antonio Samarone de Santana, médico sanitarista e historiador da Medicina, vem dedicando boa parte do seu trabalho a estudar a História das práticas médicas em Sergipe. Inspirado e orientado pelo trabalho desenvolvido por ele, fiz algumas reflexões acerca da História da Medicina, no conjunto de estudos que tenho desenvolvido a respeito da História das praticas do chamado saber científico na Província e no Estado de Sergipe.
A Constituição do Império, de 1824, responsabilizou as Câmaras Municipais pelos cuidados com a Higiene Pública. Esse tipo de responsabilidade fez com que muitas Câmaras de cidades da Província de Sergipe aprovassem Códigos de Posturas. Os primeiros municípios a fazê-lo foram Socorro e Capela, em 1835; Vila Nova, em 1836; Santa Luzia, em 1837; Estância, em 1841; São Cristóvão, em 1852; e, Aracaju, em 1856. Era responsabilidade dos parlamentos municipais fiscalizar o comércio de drogas e o exercício profissional dos médicos, cirurgiões, boticários, sangradores, barbeiros e parteiras. As Câmaras eram responsáveis também pelo


licenciamento e registro desses profissionais da Arte de Curar; a imposição de multas por irregularidade em matéria de assistência sanitária; zelar pela notificação imediata dos casos de varíola e cólera morbo; estabelecer a obrigatoriedade da vacinação antivariólica, contratar físicos e cirurgiões do Partido da Câmara para o atendimento gratuito da população pobre, dos presos da cadeia, para a realização de exames de corpo de delito e para a aplicação da vacina; velar pela limpeza dos chafarizes, dos logradouros públicos, casas e quintais, extinguir formigueiros e mandar caiar e queimar os pertences de residências que houvesse sido ocupados por leprosos e tuberculosos; evitar enterramentos nas igrejas, para tanto criando cemitérios em sítios afastados do centro citadino (SANTOS Filho, 1977: 494).


Em maio de 1825 São Cristóvão, a capital da Província, ganhou uma enfermaria militar destinada a atender o Batalhão de Caçadores de Sergipe. O novo serviço era, contudo, deficitário, posto que até então inexistiam médicos e boticários na capital de Sergipe . Nesse campo, a Vila de Estância estava melhor aparelhada, contando com cirurgiões como o italiano João Francisco Felzemberg e os brasileiros José Joaquim de Novais Lima Loureiro e Antônio de Araújo Peixoto Bessa. Este último foi nomeado Cirurgião-mor, a fim de dirigir a enfermaria militar de São Cristóvão, sendo o seu irmão, João de Araújo Peixoto Bessa, nomeado para o cargo de boticário. Desde 1820 atuava em Estância o primeiro Cirurgião-mor nomeado para Sergipe, Luís Antonio Vieira.
Ainda durante o governo do presidente Manuel Clemente Cavalcanti de Albuquerque (1823-1826) foi reaberto o Hospital São Mateus, conhecido como hospital de caridade de São Cristóvão (o hospital da misericórdia, mantido pela Santa Casa de São Cristóvão), fundado provavelmente no século XVI (SANTOS Filho, 1977: 250). Contudo, apesar de todos os esforços governamentais, o hospital somente voltou a funcionar efetivamente em setembro de 1840. O hospital atendia os presos, os indigentes, os irmãos pobres e os loucos (MOTT, 1976: 129). O hospital fechou suas portas definitivamente em novembro de 1869.
A partir de 1835 começou a crescer o número de profissionais médicos na Província e alguns deles apareceram de modo mais destacado, como Manuel Antunes de Sales, Guilherme Pereira Rebelo, Antônio Ribeiro Lima, Antônio da Silva Daltro, Pedro Autram, Cypriano José Corrêa, José Nunes Barbosa de Madureira e Manoel Ladislao Aranha Dantas. Um dos primeiros médicos a se estabelecer com consultório na Província de Sergipe foi Manoel Ladislao Aranha Dantas. Em 1833 ele já publicava anúncios no jornal Recopilador Sergipano a respeito da sua atividade clínica em São Cristóvão. Na cidade de Laranjeiras, em 1836, foi criado o Hospital de Caridade Senhor do Bomfim. A instituição foi fundada por dois médicos: José Cândido de Faria e Francisco Alberto Bragança. O seu funcionamento efetivo ocorreu em junho de 1840 e as suas atividades foram encerradas dezenove anos depois, em junho de 1859.

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